quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

PRODUÇÃO TEXTUAL - VERSÃO ORIGINAL (COM ERROS E TUDO) - Uma história em geral -







Não sei por que fado escrevo assim
gosto mais do passado e tenho em mim
algo talvez parente da tristeza
(...)
Conta-me alguma coisa
diz em fim
a história dos meus dias de simpleza
foge um pouco ao barulho e a ser
que essa coisa de luxo é sempre ruim.
(...)
Quero ver-te falando de saudade
(e) sem vaidade
Quero sentir-me à sombra das mangueiras
em tempos idos
Quero ver-me nos anos já vividos
e sem medos, modos, modas estrangeira/estranhas.
(...)
“ Cor era coisa que confundia mesmo.
Via tudo ´ em preto e branco ´e cinzas.
- principalmente na memória.
Na vida da menina tudo era complicado.
Nada se resolvia a favor...
Era mais ou menos assim que começava uma história que gostei muito, e me deu vontade de escrever sobre a minha.
(...)
Lembrei do dia em que sonhei ter um bichinho.
- isso dá doença.
Pronto.
Acaba por aí.
Não se fala mais nisso.
-          de psicologia, ninguém entende nada.
(...)
         Se sentia rejeitada mesmo, mas não daquela rejeição de que ninguém está nem aí.
O que acontecia é que ninguém respeitava suas idéias.
         O pai não era carinhoso, nunca fora. Daquele carinhoso assim, de dar carinho com as mãos ou com a boca, entende? Era só o jeito dele. Pelo que sei, ele também nunca soube o que era isso.
(...)
         Minha mãe, quer dizer, quase mãe também não era disso. Pelo menos comigo não.
Eu até sentia que com meu meio irmão também era difícil, era meio desajeitada ou exagerada demais nos cuidados. Ela fazia um carinho meio sem jeito, parecia ter vergonha ou medo mesmo. Meu pai... nem se fala!
(...)
         Não. Eu nunca tive inveja, eu nunca senti ciúmes disso. Eu até achava lógico. Não sei como, mas achava. Sempre achei que ele merecia/merecesse mais do que eu.(mesmo quando eu me comparava com as outras crianças). Sabe que eu até achava meio ridículo essas coisas de paparicação. Eu era bem desprendida dessas coisas. Não era disso que eu sentia falta. Pelo menos, não exatamente disso. Eu sempre desejei/quis ser do tipo auto-suficiente.
(...)
         Eu me achava inteligente. Me achava diferente de todos, eu adorava isso. Mas a minha inteligência, diziam, era para as coisas que não serviam. E a minha diferença... aí é que doía. Depois se entende o que quero dizer.
(...)
         Acho que eu sonhava mais que todos, que eu tinha as idéias mais interessantes do que todo mundo.   
(...)
         Gosto?!... E eu lá tinha gosto para alguma coisa?! Ter eu tinha, mas era mesmo que nada: não ter.
(...)
         Eu tenho 2... anos, e ainda gosto de ler livros infanto-juvenis. Muitos me criticam porque não sei, não soube crescer .Talvez, quem sabe, se encontre explicação no que eu venha a escrever.
(...)
         Um dia, meu pai ganhou uma cachorrinha. Eu queria dormir com ela. Claro que sem ninguém saber. Eu morria de pena, até chorava quando, de noite, ela gania sentindo falta da mãe, de carinho.
         Não podia. Mas dormi um dia. Ela ficou só uma semana – eu acho.
Nos outros dias, eu botava meu ursinho de pelúcia dentro da cestinha dela, onde dormia, lá na área.
         O ursinho?! Eu não gostava dessas coisas de... boneca... ursinho... mas a verdade é que eu tinha um apego por ele .Exclusivamente por esse Talvez porque ele fosse pequenininho. Eu adoro coisas pequenas. Eu imaginei que isso fosse consolá-la.
coisa de criança! Descobri que algumas pessoas se utilizam dessa técnica (cientificamente)
Continuava ganindo. E eu continuava chorando. Sempre ou quase sempre tenho mais pena de bicho do que de gente
         Chorei mais quando ela teve que ir embora, para a delegacia onde meu pai trabalhava. Ela ia ser um daqueles cães policiais. Era uma pastora alemã. Eu tinha colocado o nome dela de “Kate Marroney”, igual ao nome daquela agente policial do seriado: A dama de ouro. Depois não soube mais nada. 
(...)
         Eu morava em um prédio, e lá de cima, dos ninhos que os passarinhos faziam, muitas vezes caíam filhotes, talvez, tentando voar. Foram três ou quatro vezes que isso aconteceu Pelo menos, para dentro do meu quarto. Eram pardais.
         Havia esquecido os periquitos zoadentos, foram dois. Eles não duravam. Iam logo embora ou morriam. Não quero mais falar nisso. Nunca tive sorte com bichos nem com plantas, que dirá com gente.
         Tinha também umas lagartas nas samambaias e nas palmeiras da minha mãe. Ela tinha horror. Para mim, eram lindas. Verdes com pontinhos pretos e umas delas tinham antena no rabo.
         Ganhei dois livros do meu pai. Um de Botânica e outro que falava da vida das borboletas (de todos os tipos). Mas não só esses. Vários. Só que esses me marcaram mais. Ele nem sabe. Mas comprou duas vezes os mesmos. Então recortei e colei na minha agenda-caderno (ao meu modo). Adorava quando ele chegava em casa com caixas cheias de coisas do MEC (material escolar). Até hoje gosto e guardo o que restou.
(...)

         Uma vez apareceu uma aranha enorme na janela do meu quarto. Eu não tinha medo. Até dei um nome para ela: Charlote,o mesmo nome da aranha do filme do porquinho; não lembro o nome agora....Wilber... mais ou menos isso.
         Já tentei criar até ratinhos. Não eram dos brancos, não, na época da minha ingenuidade. Eles nasceram no saco de estopa. A mãe sumiu.  Eu fiz uma casinha com três tijolos encostados ao muro do quintal, para eles se protegerem do frio. Ficava preocupada por não saber o que dar para eles comerem. Eram tão pequenos! Sabe o que fazia? De queijo, eu sabia que os ratos gostam, e o leite: tinha uma estória de eles serem mamíferos também, então, por que não? Misturava os dois e tentava dar a eles com um conta-gotas. Não via resultado. Pensei em outra solução: adoção. Já que a casa do vizinho está abandonada, mas cheia de ratos... coloquei os ratinhos em cima do muro. Um deles caiu . Me culpei. Chorei. Decidi ficar com os outros dois.
         A noite veio. Ouvi o barulho que faziam, pois a janela do meu quarto dava para o quintal. Não podia ver o que acontecia. As portas e janelas trancadas de um jeito que não conseguiria abrir se tentasse sem fazer barulho e levar uma bronca: - está louca?
ou até mesmo apanhar. Entender é que não. Até matariam, se soubessem. De manhã, eram só um pouco de pele e ossos. As formigas haviam comido os dois ou coisa parecida.
-          por que?!...
         Nessa época eu morava em Aracoiaba. Na época das chuvas... Ai! Como eu gostava. Ficava aquele cheiro bom de mato, de mormaço, de poeira, de chuva mesmo! O telhado era só festa. Aquele barulhinho que eu adoro, me lembrava o lugar que eu nasci. Até mesmo o medo do trovão e do relâmpago que dava e a luz que vazava para o escuro do meu quarto pelas venezianas era bom. Até o friozinho. Era o tipo dos dias de tristeza que me davam/dão alegria.
         Gosto de lembrar das viagens que eu dava até meu colégio em Baturité: era colégio de freiras, mas era misto. Não esqueço a primeira vez que fui lá para me matricular, havia um bocado de gansos e patos correndo de lá para cá naquele enorme pátio de areia e pouca grama. As bananeiras... igual na minha terra. Me encantava com o arco-íris, que se formava de repente e parecia andar distanciando-se à frente do carro em movimento. Os pés de café também haviam na minha terra; é bom mastigá-los quando estão vermelhinhos.
         Não tinha/tenho medo de lagartixas. Tantas vezes eu vi no jardim da minha avó paterna, botando seus ovos. Aquilo sim era nojento!  Um bicho que me assustou quando vi pela primeira vez em um galho de castanhola, foi um louva-deus: bicho verde, grande demais para ser um inseto. Enorme! Com o desenho de um olho azul com preto nas costas, fazendo uns movimentos estranhos de lá para cá: assustador!  Sem falar naqueles gafanhotos, tão verdes quanto. Eu chamava de esperança.
         Tive a fase com as formigas também. Fazia buracos na areia para servir de casa, jogava açúcar em volta e catava folhas para servir de alimento, enchia tampinhas de refrigerante de água para beberem e tomar banho. Pode?! Criança! Tantas morreram afogadas! Uma vez até um barquinho que meu irmão tinha entrou na história. Queria que elas, ou melhor, as obrigava a entrar nele e o colocava no meio do tanque. O que mais podiam querer? Havia comida, água e diversão. Sempre fui do tipo ditadora, mas nunca quis o mal. A não ser que julgasse justo. Afinal, era do tipo justiceira também. 
Gostava de vê-las enfileiradas trazendo sementes de milho lá da feira, do galpão: ficava bem no começo da rua, era bem distante (armazém do Sr. Zé Belo)
(...)
         Não gostava de perguntar nada a ninguém. O mundo era tão fantástico daquele jeito!
(...)
         Quando eu aprendi a ler, lia de tudo que tinha na minha frente. Minha mãe diz que aprendi rapidinho. Acho até que se orgulhava disso: tanta rapidez.
(...)
         Eu também adorava plantas, já disse: as pequenas, aquelas que pareciam árvores em miniatura. Eu acreditava que existia gente pequena, como “os gulivers”, duendes. Eu acreditava em duendes; se existiam plantas tão pequenas, por que então não existiam gente assim? Fadas também. Por que não? Achava que moravam nos buracos com as formigas. Fazia parquinhos de pregadores de roupa; como é que podia?!
         Lembro que uma vez, minha avó me pediu para varrer seu jardim, estava coberto de florzinhas de castanhola. Havia notado que elas, as formigas adoravam, então juntei-as todas um monte só e guardei para as formigas. 
         Não posso me esquecer dos coitados dos vaga-lumes. Eu chamava de teco-teco, porque quando eu os segurava entre os dedos, na tentativa de escapar faziam barulho: teco-teco. Não que eu fosse mal, eu não tinha tal mentalidade. O que ocorria é que eu tinha muitas idéias estranhas, mas que na minha cabeça tinham uma lógica. Gostava de colocá-los dentro das coisas transparentes, para que de noite pudessem iluminar. De manhã haviam fugido, não sei como. Tenho uma prima que tem manias parecidas com as minhas.(Ana Paula); acho engraçado.
(...)
         Não quero falar daqueles tais maus hábitos comuns das crianças. Não porque não tivesse, eu tinha, o de roer as unhas. Roí até os dezenove anos.
Xixi na cama... uma vez só, sem mentir. Eu sonhei que estava no quintal e... já viu.
         Não gostava de verdura. Não gostava até pouco tempo atrás, para falar a verdade, continuo sem gostar, mas às vezes tenho que comer.
(...)
         Desastrada como eu só!  Tinha o azar de quebrar tudo que pegasse. Parecia coisa do poder da mente ou muito nervosismo mesmo. Hoje, um pouco menos.
         Adorava. Adoro ver desenho animado. A caverna do Dragão, nem se fala! Jornada nas estrelas... ou coisa parecida; queria namorar o arqueiro: o tal do “Henk”.
Jana, a rainha da selva (queria ser como ela). Fora esse dois mais de cento e cinqüenta, contadinhos. Anotei todos no meu caderno de notas; queria dizer todos, de um por um.
         Tinha até um desenho: Dom Quixote de La Mancha e seu escudeiro Sancho Pança. Fiquei tão admirada; eu nunca tinha visto nem ouvido outra pessoa com o nome igual ao do meu avô: Sancho. Era um desenho de aventura, muito triste, ao contrário de ser animado. Mas eu gostava. Sempre gostei de coisas melancólicas, lentas, tristes...  Queria ver todos de novo. Alguns ainda passam. Os seriados, as sessões aventura, o sítio do pica-pau amarelo...
(...)
         Eu me achava muito feia quando era criança. magra e desajeitada. Parecia um menino, ás vezes. Minha cara lembrava um curumim. Talvez por causa da descendência/ascendência da minha avó. Detestava aquela “partinha” franja no/do meu cabelo.
Tive aquela fase do patinho feio. Em todo lugar havia sempre alguém para tirar uma brincadeira comigo. Eu sempre chorava, magoada. Não escondia. Eu não tinha vergonha de chorar na frente das pessoas - continuo sem ter. Às  vezes o que eu sentia era medo de ser repreendida, tudo era motivo para um carão ou até uma surra. Eu sempre tinha a esperança de que alguém notasse como não é nada legal  fazer brincadeiras de mal gosto com as outras pessoas; talvez fosse por isso que preferia brincar sozinha, ser sozinha. Eu não sentia falta de ninguém mesmo! Não lembro de ter magoado alguém dessa forma, por querer; com certeza pediria desculpas.   
(...) 
         Eu cresci muito zangada. Corajosa... tão pouco! Tinha vontade de bater em todo mundo que não me entendia. Às vezes em que não bati, por palavra, que deve ter sido por medo de machucar mais do que eu queria e ou por medo de apanhar por isso. Sou muito violenta e não meço minha força. eu nunca fui muito boa com as palavras mesmo! E paciente... menos ainda. Nunca briguei com meninas, mas com meninos... até batia; que não teimassem ou se metessem comigo. Lembro que eu ficava muito mal depois. Mas às vezes mereciam mesmo!
         Meu medo era daqueles, que o pai e a mãe incutem no filho. E eles nem notavam que era assim; medo da vida! De viver. Me tornei acomodada demais  Eu, já por natureza não sou de muita atitude/ação! Mas tem sempre umas coisinhas que a gente não suporta.
         Meus pais têm profissões que só colaboram com essa total visão negativa da vida: ele é delegado, ela é médica legista. Que casal, não é mesmo?! É mole ou quer mais?
Eles tiveram vidas nada fáceis. Seus pais tinham uma família imensa, além do mais, foram criados naquele sistema antigo: muito rígido! Por isso compreendo, mas não aceito essa forma de educação que querem me dar; bota rígido nisso !Não pode fazer isso ou aquilo, porque isso e aquilo outro. Eu sei que hoje em dia isso não existe só em cenas de filme, faz parte da realidade, mas nem por isso nossos pais devem/ podem evitar que se viva.
         A virgindade: ainda é a maior preocupação dos pais. Tudo bem que não devemos nos entregar para o primeiro "qualquer um que aparecer", mas quem decide tempo e pessoa para isso, sou eu. Eu ainda sou daquelas que crêem na ”magia” da primeira vez.
(...)
         A pouca liberdade que tenho, pôxa! Não é nada legal. Eu só posso ou tenho o direito de fazer as coisas que eu nem sequer gosto. Gostaria de ir para boates. Aposto que você que está me lendo fez uma cara daquelas pensando que eu sou desse tipo comum, de “jovem” revoltada e sabe-se lá mais o quê. Não sou mesmo! Eu não me considero. Eu nem sequer gosto dessa palavra. Eu nem sequer aprovo pessoas assim, eu até tenho (um certo) preconceito.
         Pessoas. É difícil de eu me dar bem com elas. Elas têm que ser muito parecidas comigo para fazer parte da minha lista de amizade.
         Eu adoro dançar! Embora seja muito tímida. Mas se pego o embalo... Só por isso que eu gostaria de ir. Eu tenho lá culpa de ser nesses lugares que costumam tocar o tipo de música que gosto?! Não precisa ser boate. Até no meio da rua serve. Também adoro cantar; fica legal. Às vezes. Chegar a ser uma Laura Pausini para mim está bom demais! Sou uma garota problema para meus pais. Eles sempre disseram: psicologia é chinelo! Palavra, que chego a crer nisso, uns 70%.
         Sou do tipo bem contemplativa. Gosto de admirar as coisas; as coisas que acho comuns, não, a não ser que não sejam tão comuns assim. Não sou fã de muita conversa. 
(...)
O recreio para mim era a hora de maior tortura, se não fossem os brinquedos do parque dos colégios onde estudei... Sempre adorei correr de um lado para o outro, naqueles gramados quase sem fim dos pátios, ou ficar de cabeça para baixo, fazendo malabarismos com o corpo todo nos ferros do passa-passa. Brincar com meninas? Só se fosse de pega-pega, de esconder. Preferia a agitação dos meninos. Larguei as bonecas muito cedo. Gostava de desmontá-las, isso sim. E por falar em meninos... gostava de um, do meu primeiro colégio, lá em Tauá (Antônio Araripe). Seu nome era Moreira: ele nem aí para mim.; precoce... não?! Eu tinha 5 anos.
         Gostava de montar casinhas, mas era só ficarem  prontas para que eu preferisse desfazê-las.
         Alquimia era o meu forte, minha mãe que o diga. Tantas vezes pegava os perfumes de minha dela e do meu pai para misturar, eu julgava ser só um pouquinho. Não faria falta. Nem preciso dizer o que acontecia depois. Essa mania dura até hoje: com produtos para cabelo, para a pele, etc. Eu queria ser cientista. Sempre admirei pessoas inteligentes.
Todos os meus amigos, paqueras e ou namorados são escolhidos de acordo com tal pré-requisito. Nada de surfistas, esqueitistas, ripes ou coisa parecida. Detesto os anos 60 e 70.
- não neguemos. Todos temos algum preconceito em relação ao que não gostamos.
(...)
         Gosto, ou pelo menos gostava de ciências, geografia, português, história; e seus derivados, mas confesso que nunca fui phd em nenhuma delas. Nunca aprendi nada com facilidade. Eu tinha a mania de ma apossar dos livros dos meus tios: engolia todos, mas ficava muito pouco. Adorava saber de coisas novas. Eu fazia a quinta série, mas na época já tinha lido coisas até de terceiro ano, do segundo grau. Uma vez até tentei montar um caderno com tudo que eu tinha aprendido, ou pensava ter aprendido. Se tinha uma coisa que me deixava zangada era o fato de encontrar certo livros dizendo uma coisa, e outros dizendo outras. Essa euforia durou um tempinho, mas fui deixando tudo para depois e depois. Se eu tivesse o tal dom dos superdotados, eu nem sei o que seria de mim hoje, uma gênio. No mínimo.
(...)
         Sempre tive uma queda pelas coisas misteriosas: místicas, excêntricas, exóticas; mas que aos meus olhos não sejam ridículas.
         Sou muito egoísta e egocêntrica. Não sei explicar como posso ser assim, se nem mesmo gosto de me sentir observada.
         As coisas difíceis não me servem de empurrão. Aventuras, para mim tem um significado bem diferente do que se conhece: de forma alguma é sinônimo de perigo; é pura diversão.
(...)
         Se eu estiver errada, que Deus me perdoe.
Mas, não acredito como as outras pessoas nas coisas da Bíblia. Acredito em Deus: uma força maior que permitiu que tudo fosse criado, que ele está em tudo; nas coisas boas e más. É parte de tudo. Acredito que Jesus existiu, mesmo porque há provas disso. É claro que eu não tenho respostas para certas coisas, mas tenho suposições, bem lógicas, e não ou obrigada a aceitar certas coisas como verdadeiras só porque dizem que é assim, foi assim e será assim; não acho que seja desrespeito pensar assim.
(...)
         Todos temos nossas histórias para contar.
Eu estou tentando contar a minha, da melhor maneira, sendo fiel a mim mesma.
(...)
         Eu nasci no dia 6 de abril de 1976: no Retiro, que é o interior do interior de Uruburetama. Posso dizer que era um rancho; quase que não nascia. O nome da minha mãe é Conceição.
         Quando ela ficou grávida de mim, morava aqui em Fortaleza: as coisas não iam bem no interior, e então ela arranjou um emprego temporário em uma casa daqui. Os donos da casa são meus avós. Meu pai, solteiro, se interessou por ela;  eu a achava muito bonita, me lembro bem dos seus vinte e tantos anos .Ela engravidou e resolveu ir embora, antes que a barriga aparecesse. Só anos depois se soube que eu era neta dos donos da casa: uma de minhas tias paternas descobriu isso. Pelo menos é assim que eu conheço a história. Na época, meu pai nem estudante era. Trabalhava no armazém com meus avós.
Um dia... resolveu ser gente na vida. Foi para São Paulo fazer a vida.  Meu pai se chama Nicodemos: é o nome de um personagem bíblico. Minha avó teve muitos filhos; mais de quinze. Uns morreram por aborto natural, uma morreu ainda bebê, e um outro, aos 14 anos por afogamento, na praia do Icaraí: numa festa de casamento de uma das irmãs (Dorotéa).
(...) 
         Minha mãe me deu este nome, Celeste, por causa de uma promessa; eu não sei bem a história, mas é uma homenagem a um Papa de nome Celestino; eu acho. Ela tinha muita devoção por ele.
(...)
         Eu vivia no meio dos bichos no terreiro de minha casa. Tinha até uma galinha de estimação: Baía era o nome dela.. Ouvi esse nome na televisão da fazenda lá pertinho de casa e gostei. Bicho de que eu tinha medo, só cobra; não era só medo, era nojo também. No meu entender, cobra era lombriga crescida que entrava dentro da gente; por muito tempo detestei macarrão. Preciso dizer por quê?
(...)
         Dizem que sou do signo de Áries, e no horóscopo chinês sou Dragão, e de fogo.
Sou a segunda filha de quatro que a minha mãe biológica teve: todos de pais diferentes. Não vivi muito tempo com ela, apenas 4 ou 5 anos: ela não tinha; não tem como nos criar, sofre de problemas psicológicos e financeiros: minha família por parte de mãe é bem humilde. Meus padrinhos eram os donos da fazenda onde minha família trabalhava. Minha mãe trabalhou lá por muitos anos: quando não na cozinha, na roça.
Eu, como as demais meninas fomos criados pelos pais. Só meu último irmão vive com ela. Não sei nada ou quase nada a respeito deles e o que sei, gostaria de não saber/nunca ter sabido.
         Ela se recusa a tratar-se com médicos. Acredita e “macumbas”, essas coisas da crendice popular. Vez ou outra toma algum remédio, e é só. Não quero falar mais disso.
(...)
         Lembro que acompanhava minha mãe aonde ela ia. Nós tínhamos o costume de subir e descer aquelas erras muitas vezes em um dia só: Santa Luzia, Bananal, Itacolomi... tantas! Às vezes íamos até Itapipoca, Itapajé; para a feira, vender sementes, panelas de barro, colorau, pimenta, etc.
         Eu sabia fazer muitas coisas de palha, de barro: a nossa casa, a gente mesmo fez. As crianças, no interior trabalham como adultos, desde cedo; eu não lembro de reclamar por isso. Para mim era divertido, até.  Acreditem. Eu já trabalhei em roçado, de tudo: dependia da época; eu cheguei até a saber o que era uma seca. Tivemos que sair do interior, como retirantes; lembro-me de que quando chegamos aqui em Fortaleza, o Papa   João Paulo II  veio. Eu o vi bem de perto: a menos de metro e meio. Posso jurar. Eu chorei até. As crianças podiam se aproximar dele. Foi como ter visto Deus. Era 80 ou 81; o mês eu não sei. Talvez janeiro, julho...
(...)
         Já vivi na rua um tempo. Minha mãe não conseguia arranjar um emprego por causa da gravidez: de minha terceira irmã; e quando arranjava, a senhora da casa não permitia que eu entrasse em sua casa: não queria a minha companhia para os filhos; eu não entendia nada disso, e mesmo se   entendesse, era tão resignada.
 (...)
         Meu avô era quase cego, enxergava muito pouco. Vivia mascando fumo, e sua barba era daquelas amarelinhas, por causa das cuspidas que dava ou da baba que se formava nos canto da boca. Na época era a única neta: minha irmã mais velha não vivia conosco, desde os meus 2 anos. Guiava ele pelas mãos até o quintal, onde ficava horas de cócoras, só ouvindo a cantiga dos pássaros bem cedo, no meio do terreiro, tomando sol. Tinha os olhos azuis; não sei e por causa da doença, mas tinha os olhos azuis.
         Minha avó parecia com aquelas índias apaches, que eu via na televisão. Gostava de dividir os cabelos em duas tranças, que caiam pelos ombros ou então juntava todo seu cabelo enorme no alto da cabeça: em um/num coque. Adorava a sua comida, bem simples, mesmo porque não tínhamos mais do que aquilo. Puxei a ela: seu silêncio. Queria ser totalmente igual a ela. Mas uma vez ela me decepcionou. Matou minha galinha de estimação. Nesse dia não comi. Como?!
         Ela morreu. Eu não sabia que gente morria, até então. Descobri no dia em que tive de acordá-la, e ela não acordou.
         Não fazia perguntas a ninguém. Tudo que sabia, descobria sozinha; ficando muito confusa. Morte, só de bicho. Eu vi muitas matanças: me faziam muito mal.
Colocaram ela estendida em cima de uma mesa enorme, com quatro velas. As rezas: ave-marias. Queria saber porque repetiam tanto seu nome e diziam coisas que não entendia e por que estava vestida como São Francisco de Assis, o santo que mais me atraía a atenção na igreja, nas poucas vezes em fui à missa.  Por que ela estava dura, fria e com uma cor esquisita. Suas mãos estavam amarradas e segurando uma quinta vela, que começou a vazar, escorrendo: era quente. Por que não doía.?!... Lembrei da morte dos bichos, e senti um certo nojo, parecido com aquele que eu sentia.
         Lembro do seu enterro. Uma fila que crescia a cada casa em que passávamos: mais três, sete ou dez pessoas; gente que eu nem conhecia. Colocaram ela dentro de uma rede, e carregavam pendurada numa vara.. Eu não tinha chorado, ainda. Eu fiquei assustada com aquilo, e quando pararam; tinha um buraco meio fundo, para o meu tamanho. Entendi menos ainda, quando foram baixando minha avó enrolada na rede, dentro do buraco. Eu quase gritei, mas só chorei, sem poder fazer nada.   não lembro mais nada. Só do povo indo embora no escuro com as lamparinas e velas na mão. Depois disso, muitas coisas se apagaram da memória. Só lembro dos batons-de-bruxa do terreiro, das trepadeiras, onde as galinhas se empoleiravam para dormir, da pedra enorme que separava a casa da encosta da serra, do galo cantando, dos pés de laranja-lima, do abacateiro, de onde caí uma vez: por milagre numa poça de lama e barro; das bananeiras, do rio, das fontes de água no meio da estrada... 
(...)
         Nos arranjamos em uma favela: onde hoje é o atual Shopping Benfica. Na época, fomos expulsos de lá para a construção de mais um Roncy, o que não aconteceu. Até faliu!
(...) 
         Sexualidade: a gente nasce com ela, já tem desde criança. No meu caso, foi despertada muito cedo. Eu nasci em um interior: Uruburetama, já disse e lá, como em outros lugares de interior, as coisas são até encaradas com mais rigidez do que na cidade. Mas se aprende tudo ou quase tudo muito cedo, da maneira certa ou não. Comigo, não foi diferente. Mesmo bem pequena. Se não sabia de algo tinha uma noção. E a pouca noção que tinha alimentava a minha curiosidade, que não era pouca; fora as vezes em que vi ou vivi certas coisas do tipo, e não nego, chegava a sentir coisas esquisitas, na época: não era medo. Era bom. Eu julgava errado, pecado. Eu me condenava, me condenei muitas vezes e até me punia fisicamente. Às vezes rezava muito e pedia perdão.
(...)
         Eu conservo muitos dos pensamentos que eu tinha quando criança: muitas lembranças. Mas como não?! Se tudo marcou tanto de alguma forma. Muitas das coisas, eu não quero contar, pelo menos, não a fundo; são coisas que me fazem mal lembrar: as brigas dentro de casa, as ameaças armadas; Tão comuns nos interiores. Numa dessas, tivemos que sair de casa. Lembro da gente no escuro, com uma lamparina feita de lata de óleo Pajeú, o cheiro de querosene, o chumaço de algodão já bem preto e queimado, uma chama enorme! Tudo era enorme para mim:  era tão pequena! Lembro da trouxa de roupa, do saco com cacarecos fazendo barulho alto. Minha mãe chorando... às vezes achava que ia me deixar sozinha, no meio do caminho: era tanto peso para ela! Fora a terceira barriga. Nunca mais ia voltar
 (...)
         Uma vez me perdi no canavial. Existem mesmo anjos?! Se sim, um me apareceu não sei como; vestido como São Francisco; coincidência.? Me ouviu gritar: eu já estava com fome.com sede e tonta; com medo.
Podia. Pode ter sido tudo; menos uma visagem, uma aparição. Era de carne e osso. Me levou pela mão até a minha casa. Só pediu uma coisa em favor: uma esmola, pois também tinha fome e sede; já estava andando a dias, em peregrinação. Eu me agarrei às suas mãos.
(...)
         Eu sempre quis escrever um livro. Tive essa idéia pela primeira vez aos dez ou doze anos. Talvez não exatamente um livro, mas uma espécie de Diário. Eu realmente comecei a escrevê-lo nessa época, mas por uma série de razões os cadernos e agendas em que escrevia não chegaram até os dias de hoje. Eu só tenho lembranças de concreto, então que por vezes eu tento reescrever. Se bem que, muitas das coisas que eu escrevi antes já não têm o mesmo valor, o mesmo significado, mas eu não perdôo isso, eu não aceito e acabo dando um jeito para que não seja bem assim. Se querem saber, eu não costumava escrever como costumam as garotas de dez, doze anos. “Preocupei” bem cedo, mais cedo do que imaginam. Mas eu confesso. Não me arrependo. Eu punha no papel todos os meus sonhos, reais e imaginários. Falava sobre o “efeito das coisas”; tinha uma sensibilidade excepcional. Ainda tenho. Mas é quase nada se comparado a anos atrás.
(...)
         Passei/fiquei um bom tempo sem interesse por escrever pelo fato de haver perdido tudo ou quase tudo do que eu já tinha escrito antes. Nessa época eu comecei a ler mais, por obrigação, na maioria das vezes. Mas, para a minha salvação, vez ou outra aparecia alguma coisa que eu julgava “legal”, pra se guardar.  Foi então que, outra vez, eu tive o interesse de continuar escrevendo como antes. Já não se tratavam das mesmas coisas de antes. Eu agora escrevia sobre tudo. Na verdade, eu copiava. Copiava, não. Eu não gosto dessa expressão; eu posso dizer que, me “apropriava” das palavras alheias. Mas desde quando as palavras têm dono? Afinal, eram idéias das quais eu também partilhava. Para não ficar com tanta dor na consciência por Ter cometido um “plágio” eu acabava por dar nova roupagem à “ coisa”. Ficava bem mais a minha cara. E hoje, eu tenho uma dezena de cadernos/diários que contêm tudo de/do que eu mais gosto e me vale a pena, sem que me interesse quem , onde, como e quando foi escrito/dito.
(...)




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