COLUNAS
Gustavo Bernardo
Gustavo Bernardo é Doutor em Literatura Comparada, Professor Associado de Teoria da Literatura no Instituto de Letras da UERJ e pesquisador do CNPq. Publicou até hoje vários ensaios, entre eles A Educação pelo Argumento e O Livro da Metaficção, além de outros tantos romances, entre eles A filha do escritor e Monte Verità. Acaba de publicar, pela editora Rocco, o livro Conversas com um professor de literatura, contendo 50 crônicas publicadas nesta Revista Eletrônica do Vestibular da UERJ.
Escrever é fácil?
Ano 3, n. 9, 2010
Para
estimular crianças e jovens a escrever, há quem diga que escrever é
fácil: basta pôr no papel o que está na cabeça. Na maioria das vezes,
porém, este estímulo é deveras desestimulante.
Há boas explicações para o
desestímulo. Primeira: se a pessoa não consegue escrever, convencê-la
de que escrever é fácil na verdade a convence apenas da sua própria
incompetência, a convence apenas de que ela nunca vai conseguir escrever
direito. Segunda: não se escreve pondo no papel o que está na cabeça,
sob pena de ninguém entender nada. Terceira: quem escreve
profissionalmente nunca acha que escrever é fácil, nem mesmo quando
escreve há muito tempo a não ser que já escreva mecanicamente, apenas
repetindo frases e fórmulas.
Via de regra, nosso
pensamento é caótico: funciona para alimentar nossas decisões
cotidianas, mas não funciona se for expresso, em voz alta ou por
escrito, tal qual se encontra na cabeça. Para entender o nosso próprio
pensamento, precisamos expressá-lo para outra pessoa. Ao fazê-lo,
organizamos o pensamento segundo um código comum e então, finalmente, o
entendemos, isto é, nos entendemos. Não à toa o jagunço Riobaldo,
narrador do romance Grande sertão: veredas, dizia: professor é aquele
que de repente aprende.
Todo professor conhece
este segredo: você entende melhor o seu assunto depois de dar sua aula
sobre ele, e não antes. Ao falar sobre o meu tema, tentando explicá-lo a
quem o conhece pouco, aumento exponencialmente a minha compreensão a
respeito. Motivado pelas expressões de dúvida e até de estupor dos
alunos, refino minhas explicações e, ao fazê-lo, entendo bem melhor o
que queria dizer. Costumo dizer que, passados tantos anos de profissão,
gosto muito de dar aula, principalmente porque ensinar ainda é o melhor
método de estudar e compreender.
Ora, do mesmo jeito que
ensino me dirigindo a um grupo de alunos que não conheço, pelo menos no
começo dos meus cursos, quem escreve o faz para ser lido por leitores
que ele potencialmente não conhece e que também não o conhecem. Mesmo
quando escrevo um diário secreto, o faço imaginando um leitor futuro: ou
eu mesmo daqui a alguns anos, ou quem sabe a posteridade. Logo, preciso
do outro e do leitor para entender a mim mesmo e, em última análise,
para ser e saber quem sou.
Exatamente porque esta
relação com o outro, aluno ou leitor, é tão fundamental, todo professor
sente um frio na espinha quando encontra uma nova turma, não importa há
quantos anos exerça o magistério. Pela mesma razão, todo escritor fica
enrolando até começar um texto novo, arrumando a escrivaninha ou
vagando pela internet, não importa quantos livros já tenha publicado.
Pela mesmíssima razão, todo aluno não quer que ninguém leia sua redação
enquanto a escreve ou faz questão de colocá-la debaixo da pilha de
redações na mesa do professor, não importa se suas notas são boas ou não
na matéria.
Porque escrever
definitivamente não é fácil, expondo-nos no momento mesmo de fazê-lo.
Como diz João Cabral de Melo Neto, num dos poucos poemas que sei de cor e
de coração:
Escrever é estar no extremo
de si mesmo, e quem está
assim se exercendo nessa
nudez, a mais nua que há,
tem pudor de que outros vejam
o que deve haver de esgar,
de tiques, de gestos falhos,
de pouco espetacular
na torta visão de uma alma
no pleno estertor de criar.
Quem escreve põe o pé na beira do seu próprio abismo, porque abala suas certezas e multiplica suas dúvidas.
Quem escreve despe mais do que as próprias roupas, porque enquanto escreve ainda não sabe o que mostra para os outros.
Quem escreve sente de
repente todas as suas hesitações, lacunas e omissões, percebendo como o
seu próprio pensamento é incompleto e o quanto ainda precisa pensar.
Quem escreve de repente
entende o quanto a sua própria pessoa é incompleta e fraturada, o quanto
ainda precisa se refazer, se inventar, enfim: se reescrever.
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Comentários
- Gustavo Krause em 18/03/2013 18:17
Alberto, muito obrigado! Abraço grande, Gustavo. - Alberto Fabiano Pereira de Carvalho em 18/03/2013 17:35
Esse seu tema serve como um ponta pé, para submeter-me à vontade de escrever. Tenho lido os seus diversos textos que muito tem me encantado. Gostei muito do seu estilo e da forma direta que você conduz. Forte abraço. - Gustavo Bernardo em 06/11/2012 20:02
Raoní, muito obrigado! Para escrever bem, é preciso antes de mais nada escrever e principalmente reescrever muito. A leitura ajuda muito, mas é menos condição do que consequência: quanto mais você escreve, mais quer e precisa ler. Abraço, Gustavo. - Raoní Telles em 06/11/2012 19:10
Professor, tenho gostado muito de ler seus textos. A respeito desse, para escrever bem é preciso somente prática ou muita leitura? Pois a minha impressão de mim mesmo é que tenho que ler um livro para escrever apenas um bom texto. Ter conteúdo sabe? Serei eu muito exagerado comigo mesmo? Muito perfeccionista? E uma pergunta para finalizar: A autocrítica é positiva na escrita ou ela bloqueia de certa forma o escrever? desde já agradeço. Abraço! - Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:42
Carla, muito obrigado! Abraço, Gustavo. - Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:41
Taiza, todos os critérios de avaliação acabam sendo importantes para a avaliação de uma redação dentro de um concurso massificado como o vestibular, mas creio que o mais importante deles é o da clareza. É preciso ter muita clareza do que se quer dizer, para dizê-la de maneira igualmente clara. Abraço, Gustavo. - Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:38
Bianca, muito obrigado! Abraço, Gustavo. - Carla em 18/04/2011 22:09
Adorei o texto! Essa é exatamente a minha dificuldade. Vou passar a escrever diários pra melhorar... rs Parabéns - taiza em 17/04/2011 13:08
Realmente, quando se escreve e necessário ter um bom conhecimento de mundo para que nã se perca, mas com escrever de forma que não se perca sua coesão e coerência? Em uma redação de vestibular qual o maoir criterio de avaliação? - Bianca Mallet em 13/04/2011 21:53
Texto magnífico! Coberto de razão da primeira à última palavra. Gosto muito de escrever fora das propostas escolares e ainda sinto essa dificuldade de organizar no papel todas as ideias que passam pela cabeça, por vezes tão relutantes de serem traduzidas em palavras. Parabéns pelo texto! Beijos - Gustavo Bernardo em 13/04/2011 09:45
Giselle, muito obrigado! Beijos, Gustavo. - Gustavo Bernardo em 13/04/2011 09:44
Viviane, o primeiro movimento é descobrir o que você quer dizer para o mundo e para os outros. O segundo movimento é o de escrever e reescrever várias vezes cada texto, até sentir que está próximo de bom. Ou seja, é preciso insistir e resistir, sempre - mas antes de tudo, é preciso ter o que dizer e querer dizê-lo. Abraço grande, Gustavo. - giselle em 09/04/2011 15:56
Gustavo, texto maravilhoso, como sempre, perfeito e poeticamente real. Lendo-o (a você e ao seu texto) só posso concordar e ter a certeza que escrever - e ensinar - é mesmo pisar em falso sobre as próprias pegadas. Parabéns uma vez mais! Beijos - VIVIANE em 06/04/2011 17:01
TENHO MUITA DIFICULDADE PARA FAZER UMA REDAÇÃO. ACHO A COISA MAIS DIFICIL DO MUNDO! O QUE POSSO FAZER?
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