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sábado, 25 de janeiro de 2014

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ SUB-REITORIA DE GRADUAÇÃO – SR-1


COLUNAS


Gustavo Bernardo


Gustavo Bernardo é Doutor em Literatura Comparada, Professor Associado de Teoria da Literatura no Instituto de Letras da UERJ e pesquisador do CNPq. Publicou até hoje vários ensaios, entre eles A Educação pelo Argumento e O Livro da Metaficção, além de outros tantos romances, entre eles A filha do escritor e Monte Verità. Acaba de publicar, pela editora Rocco, o livro Conversas com um professor de literatura, contendo 50 crônicas publicadas nesta Revista Eletrônica do Vestibular da UERJ.

Escrever é fácil?

Ano 3, n. 9, 2010

Para estimular crianças e jovens a escrever, há quem diga que escrever é fácil: basta pôr no papel o que está na cabeça. Na maioria das vezes, porém, este estímulo é deveras desestimulante.
Há boas explicações para o desestímulo. Primeira: se a pessoa não consegue escrever, convencê-la de que escrever é fácil na verdade a convence apenas da sua própria incompetência, a convence apenas de que ela nunca vai conseguir escrever direito. Segunda: não se escreve pondo no papel o que está na cabeça, sob pena de ninguém entender nada. Terceira: quem escreve profissionalmente nunca acha que escrever é fácil, nem mesmo quando escreve há muito tempo – a não ser que já escreva mecanicamente, apenas repetindo frases e fórmulas.
Via de regra, nosso pensamento é caótico: funciona para alimentar nossas decisões cotidianas, mas não funciona se for expresso, em voz alta ou por escrito, tal qual se encontra na cabeça. Para entender o nosso próprio pensamento, precisamos expressá-lo para outra pessoa. Ao fazê-lo, organizamos o pensamento segundo um código comum e então, finalmente, o entendemos, isto é, nos entendemos. Não à toa o jagunço Riobaldo, narrador do romance “Grande sertão: veredas”, dizia: “professor é aquele que de repente aprende”.
Todo professor conhece este segredo: você entende melhor o seu assunto depois de dar sua aula sobre ele, e não antes. Ao falar sobre o meu tema, tentando explicá-lo a quem o conhece pouco, aumento exponencialmente a minha compreensão a respeito. Motivado pelas expressões de dúvida e até de estupor dos alunos, refino minhas explicações e, ao fazê-lo, entendo bem melhor o que queria dizer. Costumo dizer que, passados tantos anos de profissão, gosto muito de dar aula, principalmente porque ensinar ainda é o melhor método de estudar e compreender.
Ora, do mesmo jeito que ensino me dirigindo a um grupo de alunos que não conheço, pelo menos no começo dos meus cursos, quem escreve o faz para ser lido por leitores que ele potencialmente não conhece e que também não o conhecem. Mesmo quando escrevo um diário secreto, o faço imaginando um leitor futuro: ou eu mesmo daqui a alguns anos, ou quem sabe a posteridade. Logo, preciso do outro e do leitor para entender a mim mesmo e, em última análise, para ser e saber quem sou.
Exatamente porque esta relação com o outro, aluno ou leitor, é tão fundamental, todo professor sente um frio na espinha quando encontra uma nova turma, não importa há quantos anos exerça o magistério. Pela mesma razão, todo escritor fica “enrolando” até começar um texto novo, arrumando a escrivaninha ou vagando pela internet, não importa quantos livros já tenha publicado. Pela mesmíssima razão, todo aluno não quer que ninguém leia sua redação enquanto a escreve ou faz questão de colocá-la debaixo da pilha de redações na mesa do professor, não importa se suas notas são boas ou não na matéria.
Porque escrever definitivamente não é fácil, expondo-nos no momento mesmo de fazê-lo. Como diz João Cabral de Melo Neto, num dos poucos poemas que sei de cor e de coração:
Escrever é estar no extremo
de si mesmo, e quem está
assim se exercendo nessa
nudez, a mais nua que há,
tem pudor de que outros vejam
o que deve haver de esgar,
de tiques, de gestos falhos,
de pouco espetacular
na torta visão de uma alma
no pleno estertor de criar.
Quem escreve põe o pé na beira do seu próprio abismo, porque abala suas certezas e multiplica suas dúvidas.
Quem escreve despe mais do que as próprias roupas, porque enquanto escreve ainda não sabe o que mostra para os outros.
Quem escreve sente de repente todas as suas hesitações, lacunas e omissões, percebendo como o seu próprio pensamento é incompleto e o quanto ainda precisa pensar.
Quem escreve de repente entende o quanto a sua própria pessoa é incompleta e fraturada, o quanto ainda precisa se refazer, se inventar, enfim: se reescrever.

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Comentários

  • Gustavo Krause em 18/03/2013 18:17
    Alberto, muito obrigado! Abraço grande, Gustavo.
  • Alberto Fabiano Pereira de Carvalho em 18/03/2013 17:35
    Esse seu tema serve como um ponta pé, para submeter-me à vontade de escrever. Tenho lido os seus diversos textos que muito tem me encantado. Gostei muito do seu estilo e da forma direta que você conduz. Forte abraço.
  • Gustavo Bernardo em 06/11/2012 20:02
    Raoní, muito obrigado! Para escrever bem, é preciso antes de mais nada escrever e principalmente reescrever muito. A leitura ajuda muito, mas é menos condição do que consequência: quanto mais você escreve, mais quer e precisa ler. Abraço, Gustavo.
  • Raoní Telles em 06/11/2012 19:10
    Professor, tenho gostado muito de ler seus textos. A respeito desse, para escrever bem é preciso somente prática ou muita leitura? Pois a minha impressão de mim mesmo é que tenho que ler um livro para escrever apenas um bom texto. Ter conteúdo sabe? Serei eu muito exagerado comigo mesmo? Muito perfeccionista? E uma pergunta para finalizar: A autocrítica é positiva na escrita ou ela bloqueia de certa forma o escrever? desde já agradeço. Abraço!
  • Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:42
    Carla, muito obrigado! Abraço, Gustavo.
  • Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:41
    Taiza, todos os critérios de avaliação acabam sendo importantes para a avaliação de uma redação dentro de um concurso massificado como o vestibular, mas creio que o mais importante deles é o da clareza. É preciso ter muita clareza do que se quer dizer, para dizê-la de maneira igualmente clara. Abraço, Gustavo.
  • Gustavo Bernardo em 16/05/2011 17:38
    Bianca, muito obrigado! Abraço, Gustavo.
  • Carla em 18/04/2011 22:09
    Adorei o texto! Essa é exatamente a minha dificuldade. Vou passar a escrever diários pra melhorar... rs Parabéns
  • taiza em 17/04/2011 13:08
    Realmente, quando se escreve e necessário ter um bom conhecimento de mundo para que nã se perca, mas com escrever de forma que não se perca sua coesão e coerência? Em uma redação de vestibular qual o maoir criterio de avaliação?
  • Bianca Mallet em 13/04/2011 21:53
    Texto magnífico! Coberto de razão da primeira à última palavra. Gosto muito de escrever fora das propostas escolares e ainda sinto essa dificuldade de organizar no papel todas as ideias que passam pela cabeça, por vezes tão relutantes de serem traduzidas em palavras. Parabéns pelo texto! Beijos
  • Gustavo Bernardo em 13/04/2011 09:45
    Giselle, muito obrigado! Beijos, Gustavo.
  • Gustavo Bernardo em 13/04/2011 09:44
    Viviane, o primeiro movimento é descobrir o que você quer dizer para o mundo e para os outros. O segundo movimento é o de escrever e reescrever várias vezes cada texto, até sentir que está próximo de bom. Ou seja, é preciso insistir e resistir, sempre - mas antes de tudo, é preciso ter o que dizer e querer dizê-lo. Abraço grande, Gustavo.
  • giselle em 09/04/2011 15:56
    Gustavo, texto maravilhoso, como sempre, perfeito e poeticamente real. Lendo-o (a você e ao seu texto) só posso concordar e ter a certeza que escrever - e ensinar - é mesmo pisar em falso sobre as próprias pegadas. Parabéns uma vez mais! Beijos
  • VIVIANE em 06/04/2011 17:01
    TENHO MUITA DIFICULDADE PARA FAZER UMA REDAÇÃO. ACHO A COISA MAIS DIFICIL DO MUNDO! O QUE POSSO FAZER?
ISSN 1984-1604
Ano 6, n. 18, 2013
Rio de Janeiro, 22/11/2013
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