Não faz muito tempo. Fiz a minha primeira viagem
sozinha.
- não sei como fiz para chegar lá.
...Muito sonolenta, me pus a caminhar; e quando eu já estava bastante
cansada, eu me deparei com uma estradinha: estreita e sombria, coberta por alta
e densa copa de árvores nada comuns na região.
Tudo que lembro, é que resolvi me
aproximar aos poucos; e me chamou a atenção, o chão coberto de folhas, tão
estranhas quanto às árvores.
Aquele pedaço de lugar contrastava com
tudo o que havia em volta, ao redor.
Veio um vento fazendo um barulho
esquisito, lá de dentro, lá do fundo e vinha devagar e ao mesmo tempo forte,
mexendo os galhos das árvores e derrubando mais folhas, e levantando uma poeira
fina, que me acertou os olhos distraídos.
Eu já estava tonta de cansaço, de sono
e agora de fascinação. Então, por que, para que me esforçar em abrir os olhos?!
(...)
Eu troquei tudo por aquele mundo, e
agora vivo em uma construção, que mais se assemelha a um...
castelo medieval,
por sua arquitetura tão antiga; de paredes escuras, onde a umidade penetra nas
fendas e cria alí o ambiente perfeito para que brotem delas umas minúsculas
plantinhas: musgos, cogumelos esquisitos, avencas, samambaias, etc; sem falar
no lodo que vem desde a parte mais alta até aqui.
O que talvez, geralmente nos outros
cause uma espécie de repugnância, em mim é exatamente o contrário. É uma das
coisas mais bonitas do mundo:
-
do meu mundo. Um cenário
melancólico e deprimente.
Maravilhoso! Um sonho! Silêncio puro.
É como o meu interior: fascinante!
Do lado de fora , as paredes são
tomadas pelas heras e por gavinhas de parreiras e pés de maracujás. Formam uma
espécie de portal ou coisa parecida: um túnel.
Quando chove, as rachaduras são
percorridas por filetes d’água que caem do teto, em parte aberto, descoberto; e
mais plantas nascem e crescem, e dançam.
Às vezes, a água é demais e ultrapassa
o limite, se emendando com o rio lá fora, sendo comum encontrar alguns peixes,
aqui no lado de dentro, na enorme rachadura, no chão. Este lugar mais parece
uma gruta: há eco nela, e o que ecoa é o barulho das gotas caindo na água, uma
a uma.
O rio lá fora é breve, calmo, estreito
e claro. Faz quase que um círculo completo em volta da construção, se não fosse
terminar em um lago, um pouco mais profundo; ou ter na outra extremidade uma
curva em declínio, que alimenta uma pequena queda d’água.
Ruínas. O que sobrou me parece uma
torre, por sua altura e sua escada circular e comprida, longa.
Há um vitral na única janela inteira.
Quando o sol penetra por ela faz um desenhos lindos coloridos e móveis na
parede oposta.
Aqui não há inverno muito rigoroso.
Não chega a cair neve.
- eu não gosto do
inverno. Mas gosto do frio, do vento frio. Prefiro o outono.
Gosto de ver as
folhas caindo, as árvores nuas. O chão coberto de folhas amarelas, pardas,
marrons, vermelhas, ocres; secas.
-
as folhas das nogueiras são tão
bonitas!
Há muitos esquilos nessa época; época
das bolotas nos carvalhos, das nozes nas nogueiras: são estranhas.
O espaço é diferente. Muitos odores no
ar: das flores do jardim.
-
é indescritível o que tais
misturas podem me causar.
Meu jardim não é uma enormidade. Mas
quanto ao que contem... é incontável. Centenas de espécies de flores vivendo
juntas, plantas das mais raras.
Os girassóis, os pés de dentes de
leão, e outras que nem sei que nome têm.
Umas tão grandes, outras tão pequenas.
No meio do jardim há um pé de
carvalho. No limite que separa terra e água tem um pé de cedro; lá se pode
encontrar orquídeas o ano inteiro: como depois de um há sempre outro, então é
sempre, sempre.
As flores... umas abriam pela manhã,
outras pela noite. Umas duravam muito, outras muito pouco.
No rio também haviam delas, em forma
de caniços ou sobre as águas, flutuantes; como o casal de patos e seus
patinhos, em fila.
Algumas garças, as libélulas...
Com muitos galhos pensos, para água;
lamuriosos, parecem tristes: um salgueiro chorão.
-
gosto de ficar observando por
horas sobre ou sob seus galhos.
Vi um casal de cabras da montanha uma
única vez. Desceram da floresta da parte de cima a procura da grama baixa em
redor do rio, e do sol um pouco mais quente que fazia por aqui.
De noite, bonito mesmo é o reflexo da
lua na água, o barulho dos sapos na pedra enorme, no meio do lago; o barulho
dos grilos...
A medida que se sobe a montanha, a
paisagem vai mudando aos poucos.
No começo da elevação há bananeiras,
são poucas, pode se contar nos dedos, eram únicas, quebrando toda a harmonia do
outono do lugar; e parecem ilhadas, sobre um monte de terra meio vermelha:
tropical, até.
- o sol batia um
pouco mais forte.
Há uma parte mais seca, de areia mais
clara, e sete pés de coqueiro: limite com o precipício.
- creio que do lado
leste, pois o sol sempre nasce deste lado, e morre atrás do castelo.
À porta da construção, nogueiras em
fila propositada: parecem guardas imóveis, fiéis.
Duas árvores enormes do lado esquerdo:
um jequitibá sem vida e uma secóia, que
nessa época do ano parecia tão morta como seu companheiro; entrelaçados pelos
galhos secos. Uma coruja vivia no buraco do tronco oco do jequitibá. Minha
companhia noturna.
A árvore do lado direito: um flamboiã.
Seus galhos se estendiam até uma sacada.
Eu adormeço, quando não ao som da
chuva, olhando as estrelas.
E quando não quero dormir, vou até a
sacada, observar a névoa cobrir todo o espaço.
Às vezes outras corujas vêem ao
encontro desta que citei.
Quanto à lua, sempre aparece por
detrás dos coqueiros, sempre na época em que está cheia.
Parece maior e mais próxima do que em
qualquer outro lugar.
Às vezes se pode ouvir o uivo dos
lobos ecoando no espaço, e pode se ver as luzinhas dos vaga-lumes piscando...
como indecisos.
Um novo dia sempre chega. As águias e
os falcões dão seus vôos a procura de peixes.
Quando é primavera, o flamboiã é o
primeiro a anunciá-la. O número de borboletas e abelhas triplicam.
À beira do precipício, oposto ao dos
coqueiros, há um campo de trigo silvestre.
-
como nos meus sonhos.
Há um porão na parte mais escura do
lugar.
-
acho que antigamente foi um
salão.
Uma vez, movida pela curiosidade, abri
a passagem, mas tudo que pude ver foi uma revoada de morcegos barulhentos,
incomodados. Senti medo, mas pus os pés nos primeiros degraus da escada.
Recuei. A escada começou a ranger, como se fosse se desmanchar. Alguma coisa
cobria os degraus, como areia movediça. Se houvessem cobras, escorpiões...
Os ciprestes lá no cume da montanha,
floresta de coníferas... só lá cai neve, de cobrir o chão inteiro.
- às vezes, o pico
parecia flutuar nas nuvens, com seus pés de pinheiros e eucaliptos.
-
Devem haver pandas lá; coalas,
ursos, gamos...
Esta é a montanha mais alta do lugar; também é a mais afastada. Existem
animais e plantas aqui que não podem ser vistas em nenhum outro lugar.
O clima é instável, como os da quatro
estações, possibilitando muitos “contrastes” de viverem juntos aqui.
- vivo sozinha
neste lugar.
Uma figura bizarra de pedra parece
vigiar tudo em volta, lá do alto: é uma espécie de gárgula. Dentro da
construção, há muitos desenhos nas paredes: são dragões de fogo; dois deles bem
apagados, restando o último; que mais parece ter sido esculpido há pouco tempo,
recentemente.
Em dia de chuva, essas coisas de
pedra, na pedra ganham uma aparência mais aterradora: relâmpagos azulados, o
barulho dos trovões, parecem anunciar alguma guerra.
-
tudo isso é hipnótico.
(...)
-
quando eu morrer quero voltar
aqui.
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