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domingo, 21 de setembro de 2014

A FAMÍLIA CEARENSE SOB O SIGNO DAS SECAS DOMICÍLIO, TRABALHO E MIGRAÇÃO José Weyne de Freitas Sousa



A FAMÍLIA CEARENSE SOB O SIGNO DAS SECAS
DOMICÍLIO, TRABALHO E MIGRAÇÃO
José Weyne de Freitas Sousa
A hipótese principal dessa pesquisa é a de que de 1877 a 1915 a família cearense esteve sob o signo das secas. Por isso, ela objetiva compreender as relações familiares no Ceará nesse período, a partir do estudo do impacto social, político, econômico e cultural das secas na sociedade. Procura-se baseado na relação família/seca, analisar os seus diferentes significados através do escrutínio de diversas fontes como: relatórios de presidente de província e estado, periódicos da época, censos populacionais e, principalmente, da documentação das Comissões de Socorros Públicos produzida durante as estiagens.
Essas fontes possibilitam entender a atuação dos governos estaduais e provinciais em relação às famílias desvalidas, o posicionamento público das elites diante do flagelo, as conseqüências demográficas da migração e a reorganização dos domicílios nas cidades que eram pólos de atração dos sertanejos. A interpretação desse material terá como parâmetro teórico-metodológico os estudo sobre família, migração, população e trabalho.
O Ceará no século XIX era uma província pertencente ao que se convencionou chamar posteriormente de Nordeste. Essa região foi assolada desde o período colonial por diversas secas. Contudo, a partir de 1877, a seca - fenômeno climático - ganhou um contorno social e político ao atingir as relações familiares, que até meados do século XIX eram baseadas na honra e na violência. Com isso, a família foi submetida a mudanças, como o desenvolvimento de uma prática migratória, a emergência da chefia feminina do domicílio, a implementação de uma política assistencialista, a criação das frentes de trabalho e a reconstrução de novos domicílios a partir dos abarracamentos. Intenta-se, portanto, avaliar neste trabalho o processo de transformações ocorridas na família cearense
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após as secas e no interregno de tempo entre elas. Por esse motivo, abarca-se nessa pesquisa quatro secas: a de 1877-79 (conhecida como a grande seca), a de 1888-89, 1900 e 1915. Relatos da época, como os do memorialista Rodolpho Theóphilo, contam que quando a seca se avizinhava o pânico dominava os sertanejos e a noite “muitos pobres se recolhiam á casa e amedrontados com suas famílias falavam em migrar"1, desencadeando o processo migratório das famílias ao longo das secas que levou a construção da noção de abalo da moral familiar, a partir do distanciamento do conceito de família patriarcal2 que balizava as relações domiciliares.
A partir desse parâmetro, esse projeto recua ao estudo da família no século XIX, momento em que ela era a base da organização social, procurando traçar o perfil da família retirante, ao longo das quatro secas que assolaram a província no período. Objetiva-se ainda, perceber de que modo a migração para as cidades litorâneas e para fora do Ceará - região Sudeste3 - afetou a estrutura da família no seu aspecto demográfico, sentimental e da economia doméstica. Procura-se, assim, observá-la na sua dinâmica, evitando naturalizá-la, escrutinando a sua organização a partir da sua relação com o "contexto sociocultural"3, para perceber a sociedade cearense e suas transformações no século XIX e início do XX.
O diálogo com as fontes mostra que essas transformações podem ser notadas a partir de uma reorganização do domicílio, da efetivação de uma política que via o trabalhador, a partir de uma concepção liberal de trabalho, como uma mão de obra fácil e barata, e a migração que validava uma prática assistencialista, dominada pelas elites locais que se beneficiavam com o envio de recursos econômicos aos desvalidos. Assim, da
11THEÓPHILO, Rodolpho. História das Secas no Ceará(1877-1879). Rio de Janeiro, Imprensa Inglesa, 1922, p.80, 81.
22FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1995.
33A migração para a região Sudeste não será abordada neste trabalho em profundidade. Contudo, pretendo analisar algumas fontes para saber o desenlace que teve a família migrante em São Paulo, pois há documentos no Arquivo do Estado que possibilitam uma investigação mais aprofundada desse tema. Porém, a partir desse trabalho, acredito que poderei compreender melhor a migração da família cearense no seu próprio local e as motivações que a levaram migrar para essa região, sobretudo para São Paulo. 3
interface entre domicílio, trabalho e migração, procurar-se-á compreender o conjunto das relações familiares na sociedade cearense, bem como os seus parâmetros norteadores.
4 BPGMP - Setor de microfilmagem, Jornal Cearense, 03/07/1880, p.2.
5VIERA JR, Antonio Otaviano. O Cotidiano do desvio: defloramentos no Ceará Colonial. Dissertação de mestrado em história social. São Paulo, PUC-SP, 1997.
6SOUZA, Josinete Lopes de. Da Infância Desvalida à Infância Delinqüente. Dissertação de Mestrado, PUC/SP,2000.
7SILVA, Régia Agostinho da. Entre Mulheres, História e Literatura: um estudo do imaginário em Emília de Freitas e Francisca Clotilde. Dissertação de Mestrado, UFC/Ce, 2002.
8VIEIRA JR., Antonio Otaviano. A.família na seara dos sentidos: domicílio e violência no Ceará (1750-1850). Tese de doutorado. São Paulo , 2002, p.134-263. A opção entre domicílio e violência feita por este autor vai ao encontro de um aspecto organizador da sociabilidade cearense na primeira metade do século XIX, período marcado por sua pesquisa. Contudo, a partir da seca de 1877, nota-se uma mudança fundamental do viés que perpassava a família, de modo que se antes a compreensão da família passava primordialmente pela análise da violência, a partir desta data a seca passa a ser um elemento indispensável na compreensão dos sentidos da família e da sua sociabilidade._
As fontes para essa pesquisa se encontram em três locais: no APEC (Arquivo Público do Estado do Ceará), há maços de documentos das Comissões de Socorros Púbicos, ainda inéditos, que registraram informações diversas sobre os retirantes abarracados. Na BPGMP (Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel) existe em microfilme a maior parte dos periódicos que circularam no Ceará de 1877 a 1915 e os Relatórios de Presidentes de Província e Estado. No CEDHAL (Centro de Demografia Histórica para a América Latina), existem dois bancos de dados, um sobre a população de Fortaleza de 1887 e outro sobre a seca no Ceará de 1888-89.
Essa pesquisa surgiu em decorrência do estudo da criança órfã, pobre e desvalida em Fortaleza de 1877 a 1915. O estudo das fontes utilizadas no trabalho de mestrado, realizado com o apoio do CNPq, permitiu perceber uma relação estreita entre família e seca, quando esta vinculação se tornou presente nas políticas de governo e nos discursos dos observadores da época como Rodolpho Theóphilo que falava em "filhos do norte" e "A mãe pátria o Ceará...!"4 para se referir a seca usando metáforas familiares.
A família sob o signo das secas é um trabalho inédito porque a historiografia sobre esse tema ainda é exígua, a despeito da produção de algumas dissertações e teses que abordam temas correlatos à família como: os defloramentos no Ceará colonial5, a marginalização da infância6, as mulheres escritoras7 e a família sob o signo da violência.8
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9ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. A partir desse autor, pode-se compreender o uso do termo vadio, utilizado para denominar as crianças órfãs, que sem família, eram vistas impossibilitadas de desenvolver seu sentimento de infância.
10BNRJ - Jornal O Vadio, 1899, p.3.
11A Colônia Orfanológica Cristina se localizava em Maranguape a 45 km da cidade de Fortaleza, num terreno doado ao governo da província pelo comendador Luís Ribeiro da Cunha em 1880, para a fundação de uma colônia para os órfãos desvalidos da seca de 1877-79. Esta instituição existiu até 1889, contudo ao longo desse período ela passou por várias reformas, sendo que uma delas se deu através da implementação do projeto do presidente Fleury da criação de oficinas de trabalho como ferreiro, carpinteiro, funileiros chefiados pelos “pais de família” e no espaço das meninas pelas “mães de família”.
12APEC - Relatório com que o exm.º sr. Conselheiro André Augusto de Pádua Fleury passou a administração da província do Ceará ao exmº sr. senador Pedro Leão Veloso no dia 1º de abril de 1881, p.43.
Assim, faz-se necessário uma compreensão da família tendo como esteio o fenômeno das secas, signo de uma região - o Nordeste - historicamente ligado ao século XIX, quando emergiram as condições para a formulação de uma identidade regional, por meio da seca que potencializou o conceito de família no Ceará na segunda metade do século XIX e início do XX.
Pode-se compreender a importância da família a partir do conceito de criança “vadia”,9 pois em decorrência disso, constituiu-se um discurso de regeneração da vadiagem, que atribuiu á família o papel de "ministério familiar"10 na sua contenção. A criança denominada de vadia era aquela ausente do domicílio, sem ofício e que praticava atos ilícitos. Para ela o governo do Ceará criou a Colônia Cristina11, para onde eram enviados os órfãos desvalidos e funcionou o projeto do presidente da Província André Fleury chamado de as “mães e os pais de família”, com o objetivo de restabelecer a base familiar perdida pelas crianças nos anos de seca.12
A questão central que perpassa essa pesquisa é: que sentido(s) adquiriu a família cearense, envolta num discurso de perda e de crise, ao longo das secas sucessivas que assolaram o Ceará? Com base nisso, a hipótese central desse projeto é a de que a família cearense passou a ter um significado diferente com a seca de 1877-79, por meio da construção de um discurso regionalista que utilizava a imagem da família como vítima da estiagem. Com isso, atraía recursos que financiavam a chamada "indústria da seca", corroborando um modelo político de atendimento aos retirantes que facilitava o deslocamento da população, o abandono dos domicílios, a vinda à Fortaleza e a 5
13THEÓPHILO, Rodolpho. A seca de 1915. Fortaleza-ce, Edições UFC, 1980, p.51.
14GARDNER, George. Viagem ao interior do Brasil (1836-1841). Trad.: Milton Amado. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, São Paulo; Editora da Universidade de São Paulo, 1975, p. 84.
15PINTO, Luis de Aguiar Costa. Lutas de Famílias no Brasil. 2ª ed., São Paulo: Ed. Nacional, 1980.
aglomeração13 em algumas cidades litorâneas e prósperas como Aracati, Acaraú, Baturité e Quixadá.
As secas no ceará afetaram a família e provocaram a desestabilização da agricultura, o reordenamento do domicílio e o esfacelamento dos sentimentos familiares. Da conjugação desses fatores emergiu o discurso de crise moral na família. No entanto, antes de 1877 a noção de crise e de perda de moralidade se relacionava ao estado de belicosidade do sertão, como notou o viajante George Gardner, destacando que o europeu era acostumado a viajar com relativa segurança, sem o uso de pistolas e adagas, de modo que o encontro com homens portando armas pelos caminhos cearenses dava “idéia muito desfavorável da moral desta gente."14
Nesse sentido, a noção de “crise moral” estava relacionada diretamente a falta de segurança nos caminhos cearenses, devido a existência de uma população armada, aspecto que evidenciava uma dificuldade inerente ao processo colonizador português marcado por um déficit do estado imperial, frente aos potentados rurais e as lutas de família.15 Não obstante, além dos conflitos entre famílias que envolviam comunidades inteiras e da insegurança que pairava nos sertões, somava-se a calamidade da seca com a província enfrentando prolongadas estiagens desde a última ocorrida no ano de 1825, no qual a falta de água e alimento levou ao perecimento de homens, animais domésticos e selvagens.16
A calamidade da seca não era associada pelos viajantes à crise moral da população, pois ambas tinham raízes diferentes: uma o porte de armas e a outra a falta de chuvas. Um outro viajante chamado Daniel Kidder, que passou pelo Ceará no mesmo período de Gardner, primeira metade do século XIX, titubeou ante a dificuldade em dizer "qual a maior calamidade dessa região, se as inundações ou a seca.", pois as chuvas
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16GARDNER, George. op. cit. , p. 82.
17KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagem e Permanências nas Províncias do Norte do Brasil. Trad.: Moacir N. Vasconcelos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980, p.158.
18NEVES, Frederico de Castro. A Multidão e a História: saques e outras ações de massas no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, CE: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000, p.25. Sobre a noção de crise civilzatória, atribuída à seca, pode-se sopesar esse impacto, considerando-se o aspecto de que a seca reinstituiu a noção de crise, relacionada na primeira metade do século XIX a violência no campo e a partir da segunda metade ao esfacelamento das relações familiares e domésticas.
19APEC - Fala com que o exmo Sr. Dezembargador Caetano Estellita Cavalcante Pessoa Presidente da Província do Ceará abriu a 2ª Sessão da 23ª Legislatura da Respectiva Assembléia no dia 2 de julho de 1877, p.36.
20PENNA, Maura. O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o “escândalo” Erundina. São Paulo: Cortez, 1992.
21BNRJ – Divisões de Periódico. Jornal "O Vadio", Fortaleza, 24 de julho de 1899, p.4.
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ressalta-se a moral da família, pois esta é compreendida mais como um sistema moral do que como uma instituição._
23MORAIS, Viviane Lima de. As Razões e Destinos da Migração: trabalhadores e emigrantes cearenses pelo Brasil no final do século XIX. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 2003.
24 BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo. Migrantes no Brasil da segunda metade do século XIX. In: ANAIS do XII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais - ABEP, 2000. Caxambu/MG, 23 a 27 de outubro de 2000.
25TUPY, Ismênia Spínola Silveira Truzzi. A demografia numa perspectiva histórica: a aprodução da ABEP 1978/1998. In: SAMARA, Eni de Mesquita (org.). Historiografia Brasileira em Debate: olhares, recortes e tendências. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002, p. 13. Minha idéia de estudar as migrações internas se restringe, basicamente, a especificidade dos movimentos populacionais no interior do Ceará.
26APEC - Arrolamentos da Freguesia de São José da Cidade de Fortaleza. Empreendido pelo chefe de Polícia da Província Dr. Araújo Torreão em 1887. Fundo: Secretaria de Polícia. Ala: Estante: Livro(s) nos 382, 383, 384, 385, 444.
isso, o estudo da seca no Ceará se ressente de um aprofundamento em torno da questão das transformações na família e na sua experiência migratória a partir da seca de 1877-79, que atribuiu ao cearense um aspecto nômade denominada na historiografia dos memorialistas de cearencismo.23
Assim, a migração tem sido aspecto componente da sociedade brasileira, porém as migrações internas continuam pouco exploradas pela historiografia nacional.24 Embora vários estudiosos tenham se manifestado a favor de maiores investimentos em pesquisas sobre a imigração interna em épocas anteriores ao século XX, tais estudos "não tem sido feitos."25 Nesse sentido, a seca se constituiu como parte da história do Ceará, deixando de ser apenas elemento econômico e tornando-se componente fundamental de uma mecânica discursiva, que deu vazão a construção de uma noção de família marcada pela idéia de perda e de crise.
Dessa forma, a seca e a migração desequilibraram o ordenamento da família, pois em Fortaleza se formou um grande contingente de viúvas e órfãs que permaneceram na periferia da capital cearense sob a prerrogativa de “inválidos”, ou seja, as crianças e as mulheres sem a presença do marido - chefe de família - não seriam capazes de promover sua própria sobrevivência e, com isso, eram excluídos da ordem de retorno ao sertão, levando a capital do Ceará em 1887 a ter 34% dos domicílios chefiados por mulheres.26
Cada seca que atingiu a região contribuiu para a formação dos contingentes de viúvas e órfãs que permaneceram nas cidades onde havia socorros públicos. Em novembro
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27BPGMP – Setor de Microfilmagem Relatório com que o excelentíssimo Sr. Conselheiro João José Ferreira de Aguiar, passou a a dr. Paulino Nogueira Borges da Fonseca, 3º vice-presidente da Província em 22 de fev. de 1878.
28Sobre isso foi desenvolvido no CEDHAL - Centro de Demografia Histórica na América Latina, um projeto coordenado por Eni de Mesquita Samara sobre as Mulheres Chefes de Família no Brasil no século XIX, sendo que uma das localidades pesquisadas foi a cidade de Fortaleza, com base no estudo dos Arrolamento de 1877.
29Rodolpho Theóphilo. Varíola e Vacinação no Ceará. Ed. fac-similar, Fortaleza, p.106-107.
30Sobre isso vide: FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Os homens livres na ordem escravocrata. São Paulo, Ática, 1974. Esta autora ao abordar a figura do homem livre no Brasil num momento em que vigorava a escravidão enquanto regime sócio-econômico, percebe que a sociabilidade do homem livre estava relacionada à formas violentas de resolução de problemas que tinham como nascedouro códigos de honra e de coragem.
de 1887 era crescente a migração do centro para o litoral, de forma que nos arrabaldes de Fortaleza se formou uma população migrante em torno de 43.000 mil pessoas. Em Aracaty havia cerca de 30.000 mil desvalidos e grandes aglomerações se formavam em Baturité, Maranguape, Granja, Acaraú e vila de Pacatuba, de modo que essas cidades juntas atraíram cerca de 110.000 mil retirantes.27 Desse modo, a formação de mulheres chefes de família28 não seria restrita a capital cearense, mas teria atingido toda a província, por meio da migração que a cada seca, levou a formação de uma população vivendo precariamente em habitações rústicas29 e miseráveis.
Em síntese, o que era visto como depreciação moral antes de 1877- a violência30- consistia na base de sustentação da sociedade cearense que sofreu as conseqüências da desorganização de um modelo de família baseado no primado da honra, para um outro estribado na sujeição à seca e a migração. Essa mudança de parâmetro foi carreada pela reestruturação domiciliar ocorrida nas cidades pólo de atração dos retirantes, pela organização das frentes de trabalho utilizadas nas obras públicas e pela efetivação de uma prática migratória. A conjugação desses elementos deu dinamicidade ao conceito de “família” ao longo da segunda metade do século XIX e início do XX, tornando esse estudo importante para o entendimento das relações familiares, da sociedade cearense e do próprio Nordeste.


O Quinze
Primeiro Plano - Vicente e Conceição

        O primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz é O Quinze. O título se refere a grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. O romance se dá em dois planos, um enfocando o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora.
        Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia - representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se "engraçava" à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem.
        Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição, trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava "de caso" com "uma caboclinha qualquer". Enquanto ela se revolta, Mãe Nácia à consola dizendo:
        "Minha filha, a vida é assim mesmo... Desde hoje que o mundo é mundo... Eu até acho os homens de hoje melhores."
        Vicente se encontra com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a trata-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão.
As irmã de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele porém se espanta ao "saber" que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento.
        Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.

Segundo Plano - Chico Bento e sua família

        Sem dúvida a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus 5 filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha.
        No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte. O seu fim está bem descrito nessa passagem:
        "Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai.
        Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra das mesma cruz."



        Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça. Notem:
        "Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?"


        Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.
        O mais famoso livro de Rachel de Queiroz é mediano com alguns bons momentos.












Modernismo - Geração de 30




Informações retiradas do trabalho Modernismo
Introdução
"0 regionalismo é o pé-de-fogo da literatura... Mas, a dor é universal, porque é uma expressão de humanidade."
(José Américo de Almeida, na abertura do romance A bagaceira)
O período de 1930 a 1945 registrou a estréia de alguns dos nomes mais significativos do romance brasileiro. Assim é que, refletindo o mesmo momento histórico e apresentando as mesmas preocupações dos poetas da década de 30, encontramos autores como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Érico Veríssimo, que produzem uma literatura de caráter mais construtivo, mais maduro, aproveitando as conquistas da geração de 1922 e sua prosa inovadora.
As transformações vividas pelo país com a Revolução de 1930 e o conseqüente questionamento das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econômica mundial e os choques ideológicos que levaram a posições mais definidas e engajadas formavam um campo propício ao desenvolvimento de um romance caracterizado pela denúncia social - verdadeiro documento da realidade brasileira -, em que as relações "eu" / mundo atingiam elevado grau de tensão.
José Lins do Rego, na conferência "Tendências do Romance Brasileiro", pronunciada em 1943, destaca com muito vigor e emoção o encontro do escritor com seu povo, uma das características do moderno romance brasileiro:
"Nós, no Brasil, queremos, acima de tudo, nos encontrar com o povo, que andava perdido. E podemos dizer que encontramos este povo fabuloso, espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra. O romance de nossos dias está todo batido nesta massa, está todo composto com a carne e o sangue de nossa gente. O mestre Manuel Antônio de Almeida, em 1850, nos dera o roteiro. O segredo era chegar até o povo. Ele tinha todo 0 oiro, toda a alma, todo o sangue para nos dar a verdadeira grandeza. Sem ele não haveria eternidade. Sem o povo não haveria eternidade. O nosso romance tem um século. Justamente em 1843 publicava-se no Brasil o primeiro romance. Levamos uns anos para chegar ao povo. Hoje, podemos dizer, já podemos afirmar: o povo é em nossos dias herói de nossos livros. Isto equivale a dizer que temos uma literatura:'
Nessa busca do homem brasileiro "espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra", o regionalismo ganha uma importância até então não alcançada na literatura brasileira, levando ao extremo as relações do personagem com o meio natural e ' social: "A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma, alma agreste", afirma Paulo Honório, personagem-narrador do romance São Bernardo de Graciliano Ramos.
Destaque especial merecem os escritores nordestinos que vivenciaram a passagem de um Nordeste medieval para uma nova realidade capitalista e imperialista. Jorge Amado assim se manifesta no prefácio ao romance São Jorge dos Ilhéus:
"Em verdade este romance e o anterior, Terras do sem-fim, formam uma única história: a das terras do cacau no sul da Bahia. Nesses dois livros tentei fixar, com imparcialidade e paixão, o drama da economia cacaueira, a conquista da terra pelos coronéis feudais no princípio do século, a passagem das terras para as mãos ávidas dos exportadores nos dias de ontem. E se o drama da conquista feudal é épico e o da conquista imperialista é apenas mesquinho, não cabe culpa ao romancista."
Poderíamos acrescentar ainda outros temas abordados por esses autores: nas regiões de cana, a decadência dos bangüês e engenhos, devorados pelas modernas usinas-ponto fundamental dos romances de José Lins do Rego -, o poder político nas mãos de interventores, as constantes secas acirrando as desigualdades sociais e gerando mão-de-obra baratíssima, o intenso movimento migratório, a miséria, a fome.
0 primeiro romance representativo do regionalismo nordestino, que teve seu ponto de partida no Manifesto Regionalista de 1926 (consultar capítulo 1 7), foi A bagaceira, de José Américo de Almeida, publicado em 1928. Verdadeiro marco na história literária do Brasil, sua importância deve-se mais à temática (a seca, os retirantes, o engenho) e ao caráter social do que a seus valores estéticos.
Fonte:
NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens dos nossos dias. Ed.15. São Paulo. Scipione.




Euclides da Cunha, Os Sertões e Canudos
Ana Cristina Venancio da Silva, Júlia Schwarcz,
Maíra Landulfo, Maria Cecília Winter,
Tila Corazza T. Pinto & Ynaê  Lopes dos Santos
Segundo Ano - História/USP
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O MOMENTO
Com a Revolução Industrial iniciada na Europa no século XIII, toda a civilização entrava em uma nova fase caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade. O capitalismo se estrutura em moldes modernos com o surgimento de grandes complexos industriais. Ao mesmo tempo o avanço científico leva a novas descobertas nos campos da Física e da Química. 
A chamada 2ª Revolução Industrial cria uma demanda por matéria-prima e mercado consumidor ; é o imperialismo em ação. As influências das potências européias sobre os países de baixa renda se fortificam neste novo quadro.
A crise de 1873, que provoca a falência de investidores nas metrópoles européias devido ao excesso de produção e/ou à escassez de mercado consumidor, aumenta o interesse de tais potências por países que já possuem alguma dependência econômica ou política (por exemplo a Austrália, ex-colônia da Inglaterra e os países da América Latina em geral). Essa forma de dependência o historiador Nicolau Sevcenko chamou de indirect rule: 

...as formas das relações que se estabeleceram entre as nações periféricas ao desenvolvimento industrial e os centros econômicos europeus, modeladas pela indirect rule do novo imperialismo, foram de natureza a dissolver-lhe as peculiaridades arcaicas e harmonizá-las com um padrão de homogeneidade internacional sintonizado com os modelos das matrizes do velho mundo. ”(SEVCENKO, 1981: 32)
Foi através desta “regra indireta” que os centros capitalistas europeus estabeleceram seus padrões de vida como padrões universais, atingindo principalmente suas áreas de influência da periferia do sistema. Os avanços tecnológicos e científicos também dão margem à posturas ideológicas como o Positivismo de Auguste Comte e o Socialismo Científico de Marx e Engels, que define o modo de produção da vida material como agente condicionador do processo de vida social, político e intelectual em geral. O Socialismo Científico era assim chamado porque não procurava construir abstratamente uma sociedade ideal mas, baseando-se na análise das realidades econômicas, da evolução histórica e do capitalismo, formula leis e princípios determinantes da História em direção a uma sociedade sem classes e igualitária. O Evolucionismo de Charles Darwin também é incorporado neste quadro; em seu livro A Origem das Espécies de 1859, Darwin expõe seus estudos sobre a evolução das espécies pelo processo de seleção natural, negando portanto a origem divina defendida pelo Cristianismo.
Com a expansão do capitalismo, difundiram-se também estas idéias nascidas na Europa, o abalo desta influência sobre as sociedades tradicionais foi gritante, especialmente em países da periferia do sistema, como a Argélia com o Levante Argelino de 1871, o Egito com o Movimento Nacional Egípcio de 1879-1882, e o Brasil com a Guerra do Paraguai de 1864-1870 que abalou os ideais conservadores.
O Brasil do final do século XIX foi marcado por inúmeras agitações sociais, desde movimentos separatistas como a Confederação do Equador, agitações abolicionistas, a própria abolição e até a República. O maior centro populacional do país, o Rio de Janeiro, também era considerado um grande centro comercial por intermediar os recursos da economia cafeeira, a capital inicia o século XX em uma situação realmente excepcional. A cidade era um espaço de confluência cultural e econômica que se comunicava com todo o país e acumulava recursos no comércio, nas finanças e já também nas aplicações industriais.
Ao mesmo tempo, com o processo de abolição e com a vinda de imigrantes, a cidade passava por uma superlotação, que demandava capital móvel para fazer o pagamento dos trabalhadores, agora livres. O então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, dá início à um processo de incentivo às atividades nas bolsa de valores, foi o chamado Encilhamento. Este processo causou uma confusão maior ainda na cidade, pois fortunas mudavam de mãos, dizia-se que “o rico de hoje era o tintureiro de ontem”, não se sabia mais quem possuía poder político ou econômico. Adiciona-se a essa confusão, a enorme e sempre crescente população da cidade que passou a se instalar em casarões formando cortiços e verdadeiros “ântros de promiscuidade”.
Sob a influência das ideologias européias, o Estado brasileiro inicia o processo de Regeneração do Rio de Janeiro, que tem como objetivo “higienizar” a cidade, mandando a população pobre para a periferia (dando origem às favelas), e procurando construir uma imagem moderna para a capital do país. A Regeneração foi financiada por investidores estrangeiros que se aproveitavam da indirec rule, característica dominante no país. Além disso a modernização da cidade facilitaria o espaço de fluxo de matéria-prima aos portos brasileiros, e assim, facilitaria a ação do imperialismo.
Na República, “confrontavam-se” Liberais, que se representavam basicamente pela elite paulista influenciada pelo cosmopolitismo progressista internacional e os Conservadores representados pela  vanguarda republicana, positivista e militar, influenciada por estigmas de intolerância e isolamento. Na prática, os ideais destes dois grupos são indiferenciáveis: “nada mais conservador do que um liberal no poder”, a República dos Conselheiros se dava então, com o revezamento da gestão das duas classes. O texto de Machado de Assis, Esaú e Jacó ilustra bem a “política de acordos” característica marcante no Brasil de então. É neste complexo quadro que se dá a formação de Euclides da Cunha, ele, como muitos de seus contemporâneos sofreu as influências desta sociedade caótica e das ideologias vindas de além mar.
 
O CONTEXTO
Para que consigamos compreender a obra de Euclides da Cunha de uma forma mais completa, é estritamente necessário que façamos um breve parênteses, e olhemos quais eram essas “tão famosas” idéias cientificistas, positivistas e deterministas que influenciaram o autor, ou seja: vamos buscar as fontes nas quais Euclides da Cunha “bebeu”. Tentar enquadrá-lo no contexto histórico-intelectual em que viveu.
Antes de mais nada, é importante relembrarmos que o continente Americano, mais conhecido como Novo Mundo, sempre povoou o imaginário  europeu. Exemplos clássicos, são o mito do “bom Selvagem” de Rousseau (uma espécie de herança do ideais da Revolução Francesa), onde o autor defendia a maior perfectibilidade do homem americano ( nativo), por ter se conservado no seu estado natural. Outro exemplo são as idéias de Buffon e De Pauw, que contrariamente a Rousseau, viam os americanos como degradados, imaturos e decaídos.(SCHWARCZ, 1993:45)
Mas tal discussão não se finda no séc. XVIII.  No século seguinte ela ganha ainda mais amplitude, entrando no campo de ciência - que na época ganha  o status de ser a única e verdadeira forma de se ver e pensar o mundo. E dentro desse contexto cientificistas, George Cuvier introduz o termo raça - mostrando a existência da herança de caracteres físicos permanentes  entre os vários grupos humanos (SCHWARCZ, 1993:47) - que, consequentemente irá se confrontar com os ideais igualitários da Revolução Francesa, principalmente porque, a partir de então, o termo raça, estará vinculado a outro: cidadania.
Ao ser legitimada, algumas das principais  questões que a ciência irá estudar são a origem e diversidade da humanidade - tendo sempre em vista uma resposta absoluta e verdadeira. E o principal debate sobre essa questão se dará entre os monogenistas e poligenistas. Enquanto os primeiros consideravam que todo homem tinha a mesma origem e que as diferenças entre eles era resultado de uma maior ou menor proximidade do Éden (teoria difundida pela Igreja Cristã), os poligenistas, que baseados em recentes estudos de cunho biológico, acreditavam que haviam diversos núcleos de produção correspondentes aos diferentes grupos humanos(SCHWARCZ, 1993: 47). Conseqüentes a esse debate, surgiram no séc. XIX disciplinas e sociedades não só divergentes como rivais. Exemplos claros será o surgimento de  antropologia criminal, que considerava que a criminalidade era algo genético, a frenologia e a antropometria, que calculavam a capacidade humana de acordo com o tamanho do cérebro de indivíduo estudado dos diferentes grupos humanos, a craniologia, estudo do crânio, dentre outros.
Entretanto o debate tomará novo fôlego com a publicação do livro A Origem das Espécies de Charles Darwin em 1859. A partir de então o termo raça ultrapassará o campo da biologia, se estendendo às discussões culturais e políticas, além de imprimir o conceito de evolução às duas visões descritas acima, que muitas vezes irão desvirtuar ou “adaptar” as teorias darwinistas no que lhes fosse mais conveniente.
Os adeptos do poligenismo são os que melhor realizam  essa “adaptação” das teorias de Darwin e acabam tendo seus ideais mais difundidos em relação ao seus rivais monogenistas (é importante frisar que nesse mesmo momento os dogmas da Igreja estavam sendo questionados pelos cientistas). Exemplos disso são a sociologia evolutiva de Spencer e a história determinista de Buckle e até mesmo o sentimento do “Imperialismo Europeu” que se instala nesse momento.
A espécie humana passa a ser tratada como gênero humano e suas diferenças culturais são classificadas como diferenças entre espécies: o Homem é dividido e hierarquizado por suas diferenças; e quanto mais longe uma “espécie” se manter da outra melhor para todos.  Mas surge um problema: o que fazer então com os grupos miscigenados? A maior parte dos estudiosos e cientistas europeus e norte americanos como Broca, Gobineau e Le Bom, consideravam a miscigenação um erro, uma quebra das leis naturais, uma subversão do sistema. Segundo Lilia M. Schwarcz: “Os mestiços exemplificavam, segundo essa última interpretação, a diferença fundamental entre as raças e personificavam a ‘degeneração’ que poderia advir do cruzamento de espécies diversas”.(SCHWARCZ, 1993: 56)
Frente a todo esse impacto causado pela publicação de Charles Darwin, outras disciplinas- ainda vinculadas às duas visões sobre a origem e diferença do Homem- irão surgir. Dentre elas, algumas se destacam: a Antropologia cultural ou Etnologia Social que restitui a idéia de que a humanidade tinha apenas uma origem e sua diferença era proveniente do processo evolutivo que ela estava fadada a passar e tinha como seus principais defensores: Morgan, Tylor e Frazer, chamada de escola evolucionista.
Numa perspectiva mais vinculada ao poligenismo, aparece a escola determinista geográfica de Ratzel e Buckle que afirmavam que o desenvolvimento ou não de uma nação estava totalmente condicionada pelo meio físico. Houve também outra escola determinista conhecida como “darwinismo social” ou “teoria das raças”, que considerava a miscigenação algo negativo, já que não acreditava que as características adquiridas não eram transmitidas, ou seja: as raças eram imutáveis. Tal escola acreditava na existência de três raças bem distantes, o que invalidava a mestiçagem. O mundo dividido culturalmente era conseqüência da divisão de raças, e havia a raça superior. Muitos autores acreditavam nesse ideais como: Le Bom que achava que o “gênero” humano compreendia espécies de diferentes origens. Taine que considerava o indivíduo resultante direto de seu grupo construtor e que raça e nação são sinônimos. Renase que acreditava na existência e hierarquização das três raças. E por fim Gobineau que afirmava que o resultara da mistura era sempre um dano.(SCHWARCZ, 1993: 56)
Essas premissas da escola determinista, principalmente a que defendia a existência de uma raça superior, serviram de base para um movimento que existe até hoje: a Eugenia, que acreditava que só haveria progresso nas sociedades puras, apenas uma raça estava fadada à perfectibilidade, a raça ariana e a humanidade estava dividida em espécies: a miscigenação se torna algo  irracional, contra todas as “leis naturais”.   A Europa e os E.U.A. . difundiram essas idéias pelo mundo, e elas irão influenciar escritores e pensadores de toda parte.
Os europeus acreditavam que compunham um grupo humano puro, livre de hibridização, muito mais perto da perfectibilidade e justamente por isso era o responsável pela civilização dos demais grupos - argumento que justifica e legitima tanto a colonização americana como o “Imperialismo Europeu”, o fardo do homem branco.
Já os norte americanos, mesmo tendo sido colônias da Europa, comprovaram seu desenvolvimento, principalmente por terem evitado a miscigenação entre o branco dominador e o negro escravo.  E tudo o que foi dito acima serve de justificativa para que o debate da mestiçagem se dê de forma muito menos complexa nesses lugares. No Brasil, como no restante da América Latina, o mesmo não ocorre, a miscigenação é um fato. E mais do que um fato, ela vai se tornar um obstáculo, quando estudiosos e até mesmo cientistas (tanto nacionais como estrangeiros) forem analisar o território brasileiro em busca de uma identidade nacional. O Brasil se tornara uma espécie de laboratório vivo, onde cientistas procuraram comprovar na prática o que compuseram, e onde “ilustrados” brasileiros buscaram desesperadamente uma unidade, uma homogeneidade para definir o povo brasileiro, tendo como principal fonte de estudo , a ciência do séc. XIX descrita acima.
 
A VIDA
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, Rio de Janeiro, no dia 20 de janeiro de 1866. Foi criado pelos parentes, pois  sua mãe morreu quando ele tinha três anos.
Após concluído o ginásio, ingressou na Escola Politécnica, para cursar engenharia. Devido às dificuldades financeiras, Euclides teve que largar o curso, e transferiu-se para Escola Militar da Praia Vermelha. Lá, reencontrou Benjamim Constant, seu antigo professor no Colégio Aquino, e de quem absorveria idéias positivista e republicanas.
Já identificado com os princípios republicanos, Euclides da Cunha cometeu um ato de insubmissão contra a Monarquia, quando cadete na fortaleza da Praia Vermelha: durante a visita do ministro da Guerra do Império, o conselheiro Tomás Coelho, atirou seu sabre aos pés deste, num gesto de contestação ao regime. Foi expulso do Exército por indisciplina.
Mudou-se para São Paulo e começou a escrever no jornal “A Província de São Paulo” (futuro “Estado de São Paulo”, após  a proclamação da República). Com a vitória republicana, voltou ao  Exército e concluiu a Escola  Militar, formando-se em Engenharia com bacharelado em Matemática e Ciências Físicas e Naturais.
Em 1894, foi praticamente exilado (dão-lhe a incumbência de dirigir a construção de um quartel na cidade  mineira de Campanha) por assumir posição antiflorianista. De lá, voltou para São Paulo para escrever no “Estado de São Paulo”.
Em 1897, Euclides foi mandado para Canudos pelo jornal como correspondente para reportar os eventos que lá ocorriam. Enviou uma série de artigos que, futuramente, dariam origem ao “Os Sertões”. O livro foi concluído em São José do Rio Pardo, onde morou até 1901.
 “Os Sertões” alcançam repercussão nacional, permitindo a Euclides ingressar no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Academia Brasileira de Letras. Nada disso fez com que Euclides tivesse sua vida mais facilitada. Continuou com a Engenharia, com momentos de desemprego, enfrentando dificuldades financeiras.
Em 1909, ingressa no Colégio PedroII, no Rio de Janeiro, para ministrar a cadeira de Lógica. No mesmo ano é assassinado pelo amante de sua mulher, Ana de Assis, durante uma troca de tiros. Morre com 43 anos de idade. Ensaísta e narrador extraordinário de Os sertões, Euclides da Cunha é o primeiro escritor a encarnar o gigantismo da terra brasileira, fazendo de sua obra um dos principais alicerces da consciência nacional.
 
A OBRA
1) CONTRASTES E CONFRONTOS, 1907. Coletânea de artigos saídos na imprensa
2)  PERU X BOLÍVIA,1907. Estudo técnico sobre o litígio fronteiriço entre esses dois países andinos. Através de material técnico e histórico, Euclides mostra os erros que terminaram por orientar a delimitação territorial entre Peru e Bolívia.
3) À MARGEM DA HISTÓRIA,1909. Obra publicada após a morte de Euclides também reunindo artigos saídos na imprensa.
4) CADERNETA DE CAMPO,1975
    CANUDOS, DIÁRIO DE UMA EXPEDIÇÃO, 1939.
Ambos os livros foram organizados valendo-se de textos que Euclides publicou no “Estado de São Paulo” entre Agosto e Setembro de 1897. Mostra como, ao produzir “Os Sertões”, Euclides retrabalhou seus escritos anteriores.
 
A CIÊNCIA E O PAÍS
A historiografia das ciências no Brasil é caracterizada pelo fato de considerar a criação das universidades na década de 30 do século XX como sendo a introdução da ciência no Brasil. A prática científica nos períodos anteriores a essa data é geralmente considerada como resultado da influência européia, não passando de mera repetição e copias das teorias vigentes na Europa.
Não acreditamos que todo o trabalho intelectual brasileiro desde meados do século XIX possa ser considerado simples imitação, já que isso significaria "cair em certo reducionismo, deixando de lado a atuação de intelectuais reconhecidos na época, e mesmo desconhecer a importância de um momento em que a correlação entre a produção cientifica e o movimento social aparece de forma bastante evidenciada."(SCHWARCZ, 1993: 17)
No caso das teorias raciais parece ainda mais improvável a hipótese delas terem sido "importadas" e reproduzidas aleatoriamente no Brasil. Elas podiam trazer uma sensação de proximidade com a Europa e uma confiança no progresso e na civilização, "pareciam justificar cientificamente organizações e hierarquias tradicionais que pela primeira vez começavam a ser colocadas publicamente em questão"(SCHWARCZ, 1993: 18), mas também traziam um enorme mal estar. Como encarar a interpretação pessimista da mestiçagem presente nessas teorias num país já tão miscigenado?
Aceitar, copiar e reproduzir essas teorias no Brasil iria inviabilizar um projeto de construção nacional que mal tinha começado. Os homens de ciência brasileiros tiveram que achar uma resposta original, adaptando essas teorias utilizando o que combinava e descartando o que era problemático para a construção de um argumento racial no país. Esses homens são encontrados nos grupos de intelectuais reunidos nos diversos institutos de pesquisa e "longe de conformarem um grupo homogêneo (...) estes intelectuais guardavam, porém, certa identidade que os unia: a representação comum de que os espaço científicos dos quais participavam lhes davam legitimidade para discutir e apontar os impasses e perspectivas que se apresentavam para o país"(SCHWARCZ, 1993: 37).
A ciência era para esses homens o único caminho possível para as transformações e sobrevivência do Brasil. A vertente cientificista buscava encontrar as leis que organizavam a sociedade brasileira, que determinavam a formação do gênio, do espírito e do caráter do povo. Segundo essa mesma vertente, recorrendo à leis e métodos gerais, seria possível encontrar as especificidades da evolução brasileira e, assim, deduzir seu rumo. Como apontou Sevcenko essa atitude seria "uma versão desdobrada do lema lapidar do positivismo: 'Prever para Prover"(SEVCENKO, 1981: 103).
A necessidade de conhecer o Brasil também estava calcada no medo que muitos dessa geração tinham de que o país fosse invadido pelas potências expansionistas e viesse a perder autonomia ou parte do território. O próprio Euclides da Cunha pregava a necessidade da colonização do interior e a construção de uma rede interna de comunicação viária.
Essa atitude reformista e salvacionista pretendia criar um saber próprio sobre o Brasil nos seus mais diferentes aspectos e resultava em duas reações da comunidade científica. A primeira era acreditar no curso natural dos acontecimentos, sublimando as dificuldades presentes e transformando a sensação de inferioridade em um mito de superioridade. A segunda era buscar um conhecimento profundo do país para descobrir um certa ordem no caos presente.
Acreditamos que Euclides da Cunha esteja no segundo grupo, não só porque em momento algum aponta o embranquecimento natural da população, mas, principalmente pelas suas tentativas de determinar um tipo ético representativo da nacionalidade ou, pelo menos, simbólico dela.
 
Euclides da Cunha e a comunidade científica
Na obra de Euclides da Cunha podemos perceber a influência de várias teorias que estavam em voga na época e, por isso, temos que entender como ele entrou em contato com elas. O regulamento implantado em 1874 na Escola Militar da Praia Vermelha, onde Euclides da Cunha realizou seus estudos de engenharia, foi implantado num "ambiente intelectual já permeável às doutrinas cientificistas, de cunho positivista, evolucionista ou determinista."(SANTANA: 35)
Por adotar o modelo francês uma das principais características da Escola Militar era a ênfase dada aos estudos matemáticos e um currículo que abrangia as ciências básicas para a formação de um engenheiro. Segundo Walnice Galvão, o estudo na Escola Militar foi muito importante para o conhecimento presente nos Sertões, "se compararmos as áreas de conhecimento que lá são mobilizadas com o currículo da Escola quando ele era aluno, verificamos que ele já estava familiarizado com boa parte delas. Tinha estudado na Escola química orgânica, mineralogia, geologia, botânica, arquitetura civil e militar, construção de estradas, desenho topográfico, ótica, astronomia, geodésia, administração militar, tática e estratégia, história militar, balística, mecânica racional, tecnologia militar e as matemáticas.(...) Como matérias de currículo, não teriam sido obrigatoriamente estudadas a fundo, conforme se percebe no livro, mas é com vistas afinadas para estes saberes que Euclides avalia Canudos e a guerra."(SANTANA: 43)
Como podemos explicar então o fato de teorias não necessariamente ligadas com a engenharia estarem presentes na obra de Euclides da Cunha, já que como afirma Sevcenko, ele se utiliza de "bases genéricas do comtismo, para fundi-las com a sociologia organicista e a filosofias biossociais de cunhagem inglesa e alemã"(SEVCENKO, 1981: 149). O contato com as correntes cientificistas não se davam exclusivamente via sala de aula, mas "incorporadas ao cotidiano dos alunos através de revista e sessões de sociedades estudantis, onde se poderiam acompanhar os debates das teorias cientificistas mais modernas, como as de Spencer, Haeckel e Darwin."(SANTANA: 35)
Depois de formado, Euclides da Cunha continua em contato com os escritos desses autores e também passa a ler escritos sobre o Brasil, como as obras de Varnhagem, Morize, Caminhoá, Silvio Romero, Capistrano de Abreu, Teodoro Sampaio, Derby, Saint-Hilaire, Liais. Em São Paulo, Euclides da Cunha encontra alguns desses novos autores que foram contratados para trabalhar nas recém implantadas instituições, das quais são exemplos: a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (1886), o Instituto Agronômico de Campinas (1887), o Instituto Bacteriológico de São Paulo (1892), a Escola Politécnica de São Paulo (1893) e o Museu Paulista (1894).
Euclides da Cunha era um integrante dessa comunidade científica e, apesar de só entrar para o IHGB depois de escrever os Sertões, já era filiado ao IHSP desde 1897 e à Comissão de História e Estatística de São Paulo desde 1898. Estes eram os espaços que permitiam a relação entre os filiados e as outras instituições e, principalmente, a difusão dos trabalhos dos pesquisadores.
 
O LIVRO
A divisão interna da obra é fruto da influência sofrida por Euclides do historiador francês Taine, o qual formulou no seu livro “Histoire de la Littérature Anglaise(1863)”, a concepção naturalista da história – teoria  que defendia que a história é determinada por três fatores: meio, raça e momento. Tal concepção naturalista foi seguida pelo autor ao dividir  “Os Sertões” em três partes correspondentes aos fatores de Taine: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta” . É também do historiador francês a citação que consta na nota preliminar do livro a qual traz a idéia que o “narrador sincero” deveria ser capaz de se sentir um bárbaro entre os bárbaros, com um antigo entre os antigos.
No plano interpretativo, o professor Alfredo Bosi propõe a divisão da obra em dois grandes planos: primeiro o plano histórico, que corresponde a parte final do livro  – “ A  Luta” – , sendo que este é seguido pelo plano interpretativo que, por sua vez, corresponde às duas divisões iniciais do mesmo (“A Terra” e  “O Homem”). O momento histórico se reflete na obra tanto na estrutura determinista (que defende que os estudos devem partir dos aspectos geológicos, passando para detecção das variações climáticas para finalmente chegar ao último elo da cadeia que é o homem) quanto no raciocínio homólogo entre as ciências, onde verificamos a transposição de idéias da biologia e geologia para a explicação dos fenômenos humanos.
Como pudemos observar ao longo do presente trabalho, Euclides da Cunha era, em poucas palavras, um engenheiro militar, republicano, positivista que viveu na segunda metade do século XIX em um país culturalmente preso à França; e é com esse indivíduo que devemos nos dialogar durante a leitura desta obra. Até agora, nos detemos em fazer uma análise do momento, do contexto, da vida, da ciência no Brasil, que envolveram o autor e sua obra, pois acreditamos que esse é o instrumental teórico necessário para analisar um texto de tão profundo impacto quanto “Os Sertões”. Uma leitura que eventualmente não atente para estes detalhes pode deixar de observar a importância desta obra, ou então, cometendo um anacronismo imensurável, taxá-la de racista.
Passemos agora ao texto e suas características principais.
A “Nota Preliminar” da obra mostra, de uma maneira resumida, qual é o instrumental teórico do autor. Quando Euclides usa  termos como “sub-raça sertaneja”, ele admite ser adepto tanto do determinismo biológico quanto do darwinismo social. A marcha da civilização avançaria inexoravelmente sobre o sertão “no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes” (GALVÃO, 1998: 14), porém, a Campanha de Canudos constituía em um retrocesso, um crime. Este é  o primeiro grande contraste de uma obra cheia deles: os homens desenvolvidos do sul e do litoral que deveriam civilizar a sub-raça que vivia isolada na “terra ignota” do interior, leva na verdade a morte para homens, mulheres, velhos e crianças.
 
O PLANO INTERPRETATIVO
As características de topógrafo, engenheiro e geógrafo, colocam em destaque a riqueza técnica e a sensibilidade do autor na descrição das várias paisagens do Brasil. Um exemplo dos conhecimentos técnicos é quando o mesmo explica a sazonalidade e a previsibilidade das secas do nordeste. Neste trecho fica demonstrado que o autor não só descreve como problematiza as  questões climáticas porque tem conhecimento de causa.
Como quer que seja, o penoso regime dos estados do Norte está em função de agentes desordenados e fugitivos, sem leis ainda definidas, sujeita às perturbações locais, derivadas da natureza da terra. Daí as correntes aéreas que o desequilíbram. (...)Um dos motivos da seca repousa, assim, na disposição topográfica.(GALVÃO, 1998: 43)
O sertão é tão inóspito que até a natureza se contorce para ali viver. E como a natureza também o homem se modifica e se adapta a ela.
Euclides denuncia de certa forma o fato desta área ser muito mal estudada, e, até nessa questão, culpa a natureza por isso. O sertão e o sertanejo são algo nunca dantes entendidos e estudados e isto é um dos fatores que fizeram de sua obra tão lida e tão comentada na época.
As comparações entre o sul e o norte mostram que desde o início da obra Euclides tem como objetivo mostrar como que, através do determinismo geográfico, se formou  uma sub-raça mestiça no sertão. O sul seria a terra que atraí o homem e o norte a que expulsa, como podemos ver nos trechos abaixo:
E por mais inexperto que seja o observador – ao deixar as perspectivas majestosas, que se desdobram ao Sul, trocando-as pelos cenários emocionantes daquela natureza torturada, tem a impressão persistente de calcar fundo recém-sublevado de um mar extinto, tendo ainda estereotipada naquelas camadas rígidas a agitação das ondas voragens”(GALVÃO, 1998: 29)
Ora, estas largas divisões, apenas esboçadas, mostram já uma essencial entre o Sul e o Norte, absolutamente distintos pelo regime meteorológico, pela disposição da terra e pela transição variável entre o sertão e a costa.”(GALVÃO, 1998: 74)
A partir de tais comparações o autor toma como certeza que a aclimatação dos indivíduos seria prejudicial para o desenvolvimento dos mesmo. O europeu do que colonizou o Norte teria sido corrompido pelo clima, já o do sul teria mantido as características superiores pela mesma razão.
A aclimatação traduz um evolução regressiva. O tipo desaparece num esvaecimento contínuo, que se lhe permite a descendência até à extinção total. Como o inglês nas Barbadas, na Tasmânia ou na Austrália, o português no Amazonas, se foge ao cruzamento, no fim de poucas gerações tem alterados os caracteres físicos e morais de uma maneira profunda, desde a tez, que se acobreia pelos sóis e pela eliminação incompleta do carbono, ao temperamento, que se debilita despido das qualidades primitivas. A raça inferior, o selvagem bronco, domina-o; aliado ao meio vence-o, esmaga-o, anula-o na concorrência formidável ao impaludismo, ao hepatismo, às pirexias esgotantes, às canículas abrasadoras, e aos alagadiços maleitosos.”(GALVÃO, 1998: 79)
Neste trecho temos em resumo a idéia do porquê que o autor descreve tão detalhadamente a terra. São as teorias deterministas, tanto biológicas quanto geográficas, que o norteam. O homem é um fruto de seu lugar. Para o Euclides que escreve antes de ver pessoalmente o desmonte criminoso do arraial de Canudos, as leis européias são as máximas vigentes.
Os tipos brasileiros, como o sertanejo e o gaúcho, resultaram não só da mestiçagem mas também da interação entre homem e natureza, homem e sociedade. Continua a operar o paralelo entre as séries, especialmente entre as mais próximas: as espécies de plantas e de animais devem a sua anatomia e fisiologia tanto à herança quanto a seculares esforços de adaptação ao meio e aos outros organismos. A simetria, que se dá por provada no nível genético e no nível mesológico, estendendo-se ao social. E os caracteres raciais ora confirmam-se ora se alteram no curso histórico da luta pela vida.
A descrição geográfica da região onde se instala o “Belo Monte” de Conselheiro, é detalhada, o que dá à obra uma característica própria do autor. O clima, o solo, os ventos, as chuvas, a temperatura, os animais e o homem, tudo é descrito não só apenas por um observador atento mas por um cientista natural.
 
 

O sertão é a terra esquecida pela metrópole portuguesa e posteriormente pela monarquia brasileira. Nela se formou isolada geograficamente um povo mestiço que se diferenciou dos mestiços litorâneos, para melhor, em razão do próprio isolamento no qual se mantiveram. Não podemos esquecer que “o sertanejo é antes de tudo um forte” porque não é como “os mestiços neurastênicos do litoral”. Eis, então, outro grande contraste que permeia toda a obra de Euclides da Cunha. Mas antes de mais nada, o autor reforça que toda “a mestiçagem extremada é um retrocesso”, o que vai de encontro com as teorias vigentes. Nessa época, dizer que o homem branco não superior à qualquer tipo de mestiçagem é uma ofensa a uma lei que até então era inquestionável.
Porque ali ficaram, inteiramente divorciados do resto do Brasil e do mundo, murados a leste pela Serra Geral, tolhidos no ocidente pelos amplos campos gerais, que se desatam para o Piauí e que ainda hoje o sertanejo acredita sem fins. O meio atraía-o e guardava-os.”(GALVÃO, 1998: 190)
"O abandono em que jazeram teve função benéfica. Libertou-os da adaptação penosíssima a um estádio social superior, e simultaneamente, evitou que descambassem para as aberrações e vícios dos meios adiantados”(GALVÃO, 1998: 103)
Eis porque o sertanejo leva vantagem sobre o mestiço do litoral. O primeiro permaneceu isolado enquanto o segundo teve que forçosamente se submeter às regras dos indivíduos superiores.
Para ilustrar a idéia de que o sertanejo é um forte, Euclides da Cunha cria a metáfora da rocha viva. Como vimos na época que escreveu os Sertões Euclides estava em São José para reconstruir um ponte que havia tombado, ele acaba encontrando uma base muito firme para essa reconstrução: o granito. A partir daí desenvolve uma correlação entre a pedra e o homem do sertão.
Respondendo à criticas de que essa metáfora entrava em contradição com sua afirmação da inexistência da unidade racial brasileira o próprio Euclides explica-a numa segunda edição do livro.
"Rocha viva...A locução sugere-me um símile eloqüente.
De fato,  a nossa formação como a do granito surge de três elementos principais  . Entretanto quem ascende por um cerro granítico encontra os mais diversos elementos: aqui a argila pura do feldspato decomposto, variamente colorida; além da mica fracionada, rebrilhando escassamente sobre o chão; adiante friável, do quartzo triturado; mais longe o bloco moutnné, de aparência errática; de e por toda a banda a mistura desses mesmos elementos com a adição de outros, adventicios, formando a incaracterístico solo arável, altamente complexo. Ao fundo, porém, removida a camada superficial, está o núcleo compacto e rijo da pedra. Os elementos esparsos, em cima, nas mais diversas misturas, porque o solo exposto guarda até os materiais estranhos trazidos pelo vento, ali estão, embaixo, fixos numa dosagem segura, e resistentes, e íntegros.
Assim, à medida que aprofunda, o observador se aproxima da matriz de todo definida no local. Ora o nosso caso é idêntico - desde que sigamos das cidades do litoral para os vilarejos do sertão.
A principio uma dispersão estonteadora de atributos, que vão de todas as nuances da cor a todos os aspectos do caráter: Não há distinguir-se o brasileiro intrincado misto de brancos, negros e mulatos de todos os sangues e de todos os matizes. Estamos à superfície da nossa gens, ou melhor, seguindo à letra a comparação de há pouco, calcamos o húmos indefinido da nossa raça. Mas estranhando-nos na terra vemos os primeiros grupos fixos  - o caipira no sul, e o tabaréu, ao norte - onde já se tornam raros o branco, o negro e o índio puros. A mestiçagem generalizada produz, entretanto, ainda todas as variedades das dosagens díspares dos cruzamentos. Mas a medida que prosseguimos estas últimas se atenuam.
Vai-se notando maior uniformidade nos caracteres físicos e morais. Por fim a rocha viva - o sertanejo"(CUNHA, 1939: 580)
Euclides da Cunha não encontra o tipo brasileiro, que segundo ele próprio talvez nem exista, mas estabelece um símbolo da nacionalidade,  símbolo que podia se prestar "a operar como um eixo sólido que centrasse, dirigisse e organizasse as reflexões desnorteadas sobre a realidade nacional."(SEVCENKO, 1981: 106)
Igualmente importantes são as descrições do tipo de vida e dos costumes sertanejos. Euclides mostra, à seu modo, como esses homens simples vivem, as suas relações com os animais e coma a natureza local, bem como o seu fanatismo religioso, seu respeito á morte, sua “psique” de uma forma geral.
 

O homem dos sertões – pelo que esboçamos – mais do que qualquer outro está em função imediata da terra. É uma variável dependente no jogar dos elementos. Da consciência da fraqueza, para os debelar, resulta, mais forte, este apelar constante para o maravilhoso, esta condição inferior de pupilo estúpido da divindade. Em paragens mais benéficas a necessidade de um tutela sobrenatural não seria tão imperiosa”(GALVÃO, 1998: 126)
Antônio Conselheiro é mostrado como um indivíduo marcado por uma  biografia dotada de elementos sobrenaturais. 
Carismático e penitente, o profeta conseguiu reunir muitos sertanejos de fé extremada. O povoado é descrito como se constituísse um agrupamento de bárbaros, uma tribo e até mesmo um clã. O autor dá considerável destaque para o fator que chegado certo tempo, todo o tipo de gente se dirige para Canudos o que causou um despovoamento das cidades vizinhas. Porém uma vez dentro do arraial, os diferentes se tornavam iguais e a coletividade de homogeinizava de uma forma que surpreendente.
O sertanejo simples transmudava-se, penetrando-o, no fanático destemeroso bruto. Absorvia-o a psicose coletiva”(GALVÃO, 1998: 163)
Em linhas gerais, podemos definir esta parte do livro, o plano interpretativo  de  Bosi, a partir dos contrastes nela enunciados. São eles os travados entre a região sul e norte do Brasil, entre o litoral e o sertão nordestino, entre o sertão seco (infernal) e o sertão depois da chuvas (padisíaco) e finalmente entre o mestiço do sertão – curiboca – e o mestiço do litoral – mulato.
As descrições ricamente cheias de detalhes preparam o leitor para o plano histórico onde os fatos de desencadearão. Mais do que saber o que foi a Campanha, Euclides da Cunha nos oferece a partir de seu livro um “raio x” do sertão e do sertanejo como nunca fora antes feito. O leitor vai para “A Luta” sabendo quem e como vivem os atores deste triste episódio da história brasileira.
 
O FINAL
É importante pensar no mito que se criou em torno tanto do autor, quanto da obra. Existe ainda hoje uma relação passional com a figura de Euclides: duas cidades brigam para decidir aonde vão ficar seus restos mortais – São José do Rio Pardo, aonde escreveu o livro e Cantagalo, hoje também conhecida como Euclidolândia, aonde nasceu. O livro, publicado cinco anos após o fim de Canudos, mesmo sendo um ataque ao exército e uma denúncia do genocídio causado pela República, é um sucesso e vende muito assim que publicado. Criador e criatura viram ícones. Mas para entender a criação deste mito, é preciso ver que este é um quebra-cabeça de várias partes.
O próprio Dante Moreira Leite, justifica a importância e repercussão do livro por sua linguagem.
Se assim é, se a obra de Euclides da Cunha apresenta contradições tão nítidas – algumas das quais foram percebidas pelos primeiros leitores e críticos – pode-se perguntar como pôde ter uma repercussão tão grande. Esta não será compreendida se não lembrarmos o seu valor literário; embora não seja livro fácil, nem destinado a uma leitura desatenta, Os Sertões contém elementos de intensa dramaticidade, apresentados numa linguagem solene e adequada à grandeza da narrativa”. (LEITE, 1983:229)
Talvez o que mais marcou sua vida, tanto quanto sua obra, foi a sua viagem a canudos. Euclides era um cientificista, dentre muitas outras coisas, que vivia em uma época em que não se “ia à luta”. Teóricos trabalhavam apenas sobre livros, mas Euclides vai a Canudos e suas idéias ganham dinâmica. Dante Moreira Leite analisa como tal experiência repercutiu em uma linguagem muito mais realista e vibrante:
“(...) o estilo de Euclides, capaz de transmitir ao leitor a vibração de revolta diante dos acontecimentos de Canudos; além disso, como o livro pretende ser estritamente realista e, mais ainda, um livro de ciência, a sua prosa dramática adquire, talvez por estar contida nos limites da realidade histórica, uma intensidade que não teria na ficção.” (LEITE, 1983:222)
Muitas de suas concepções são alteradas. Diversas vezes, Canudos é associado ao movimento francês da Vendéia – como aparece : “Canudos era a nossa Vendéia” – sendo visto como um movimento monarquista por Euclides. Mas, “o contato direto com as condições físicas e morais do sertanejo”(BOSI) , como defende Bosi, acabou por desmentir o pressuposto.
No entanto, como depois também vai apontar Bosi, a interpretação se achava presa a um sistema de pensar fatalista. Entre o observador atento e a “cidadela-mundéu” dos jagunços havia mais do que um simples olhar desprevenido: a fixação do homem e o relato da luta não se fariam sem a tela das mediações ideológica e literária. Antônio Conselheiro vai ser sempre o fruto mórbido de uma cultura propensa à desordem e ao crime. Como a sociedade que o produziu, ele tende a reviver esquemas regressivos de conduta e linguagem. Como aparece no livro:
É natural que estas camadas profundas de nossa estratificação étnica se sublevassem numa anticlinal extraordinária – Antônio Conselheiro... As fases singulares da sua existência não são, talvez, períodos sucessivos de uma moléstia grave, mas são, com certeza, resumo abreviado, dos aspectos predominantes de mal social gravíssimo. Por isso o infeliz, destinado à solicitude dos médicos, veio, impelido por uma potência superior, bater de encontro a uma civilização, indo para a história como poderia ter ido para o hospício. Porque ele para o historiador não foi um desequilibrado. Apareceu como integração de caracteres diferenciais – vagos, indecisos, mal percebidos quando dispersos a multidão, mas enérgicos e definidos, quando definidos numa ‘individualidade’ (... ) É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências ‘pessoais e as tendências coletivas: a vida resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade...
A linguagem, como já explicitamos anteriormente, é extremamente marcante e importante em Os Sertões. Euclides se utiliza inúmeras vezes de estilos e figuras com certas finalidades. Em suas “Notas de Leitura”, ele mesmo afirma:
 “Vemos o quanto é forte esta alavanca – a palavra – que levanta sociedades inteiras, derriba tiranias seculares”.
 
Bosi atenta par o uso da linguagem como modo de explicar e fundamentar o que não tem fundamento nem explicação, a “ideologia do inapelável”. Daqui se entende o uso exaustivo de intensificações e antinomias, que imprimem um sentido grandiloqüente ao texto, além de: “reportar ao seu vezo de agigantar o tamanho, agravar o peso, acelerar o ritmo, alongar as distâncias, acentuar as diferenças, exasperar as tensões, radicalizar as tendências: em suma, ver nas coisas todas a sua face desmedida e extrema.” (BOSI: 6)
Um exemplo do próprio Sertões:
 
Muito baixo no horizonte, o Sol descia vagarosamente, tangenciando com o limbo rutilante o extremo das chapadas remotas e o seu último clarão, a cavaleiro das sombras, que já se adunavam nas baixadas, caía sobre o dorso a montanha... Aclarou-o por momentos. Iluminou, fugaz, o préstito, que seguia à cadência das rezas. Deslizou, insensivelmente, subindo, à medida que lentamente ascendiam as sombras, até ao alto, onde os seus últimos raios cintilaram nos píncaros altaneiros. Estes fulguraram por instantes, como enormes círios, prestes acesos, prestes apagados, bruxuleando na meia-luz do crepúsculo.
Brilharam as primeiras estrelas. Rutilando na altura, a cruz resplandecente de Órion, alevantava-se sobre os sertões...” (CUNHA, 1985:314,315)
 
 Mas todo este estilo “rebuscado”, se explique pela narrativa tratar de uma realidade já vista e já sentida e qualificada como trágica. Assim, a montagem do relato acaba dependendo de uma série cronológica, o que deixa que a liberdade estilística se faça maior no momento da elocução (pelo uso intensivo das figuras de linguagem).
E foi realmente este seu estilo que o consagrou logo que publicou pela primeira vez Os Sertões, mesmo sendo o seu conteúdo, quem traz sua importância: a de conseguir ultrapassar o científico, ir à luta, ver, sentir e mudar.
Sua visão de mundo muda com sua vivência em Canudos. Mas talvez seja um pouco complicado tratar da visão de mundo de um homem tendo lido apenas um livro seu. Nicolau Sevcenko, em sua tese de doutoramento,  faz uma análise minuciosa do que ele mesmo entende por “visão de mundo”, porém, para isso, se baseia em praticamente tudo que o autor deixou escrito. Como aparece na referida tese:
 “A partir da maneira como Euclides da Cunha dispõe, dá coerência, organiza e estrutura as concepções e idéias que lhe suscita a realidade circunjacente, no interior do espaço peculiar aberto por sua linguagem, é que podemos descortinar a sua visão de mundo. Assumem preponderância aqui as suas anotações de caráter mais pessoal, que serão cotejadas com as grandes diretrizes imprimidas pelo autor à sua obra e que vêm de ser apresentadas.” (SEVCENKO, 1981:211)
 
Porém, talvez sua visão cientificista e sua posição de republicano decepcionado ajudem a compreender seu mundo. Principalmente depois de Canudos, ele via uma inversão em sua sociedade. Mas o mais importante de pensar é como ele aparece como um homem de contradições e contrários. Tanto ele escreve e argumenta opondo elementos, como vive em um oscilar de posições. Quando Euclides vai a Canudos, perde este discurso factual e determinista; o inelutável e intransponível do fato vai cedendo às inflexões de um pensamento propriamente humano. A linguagem de denúncia e protesto que finaliza a narração de uma Canudos destruída cumpre a função de um apelo em que, como Bosi afirma: “pode aparecer um nós empenhado no que diz.”
 Então vamos ao final de canudos:
 “Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dous homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.
Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.
Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...
Ademais não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos?...
E de que modo comentaríamos, coma só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho que se nos entregara, confiante – e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história?
Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas.
Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.
Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam desprazido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tabua, o corpo do ‘famigerado e bárbaro’ agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefacto e esquálido, os olhos fundos cheios de terra – mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.
Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa – único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! -- faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa agulheta de tecidos decompostos.
Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal extinto, aquele terribilíssimo antagonista.
Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita – e como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores.
Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura...
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro acaba mas não termina. Com esta obra o Brasil ganhava uma das suas mais importantes reflexões sobre a identidade nacional. O escritor do início da obra, positivista que acreditava na república, é o mesmo que denuncia a dor a fome e a barbárie. Canudos foi um crime cometido para e pela reiteração da  república. O cancro monarquista nunca existiu naquela terra esquecida pelos seus governantes e o Estado só chegara tão longe para trazer a injustiça e a morte. Essa não era a república reclamada pelo autor.
Como identidade nacional, podemos tirar desta obra  a seguinte frase: “A nação brasileira é o resultado de uma angústia racial”. Euclides sofre essa angústia da qual as “leis” européias não dão conta. O Brasil é um país sem seu tipo antropológico definido e ele, Euclides da Cunha, é o primeiro que se propões a fazer um estudo a fundo desses cruzamentos todos que nos formam. Euclides não mascarou a realidade porque não pregou uma falsa igualdade social entre as “raças”, o que seria feito por outros como Oliveira Viana, ou Afonso Celso. Se hoje podemos enxergar mais longe que Euclides é  porque somos pigmeus olhando do ombro de gigantes como ele.
 
Sites sobre Euclides de Cunha e Canudos
 
Centro de Estudos Euclides da Cunha
O Centro de Estudos Euclides da Cunha - CEEC, órgão da Universidade do Estado da Bahia - UNEB possui um acervo valioso sobre Canudos.
URL: www.uneb.br/Ceec/Ceec.html
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Movimento Popular e Histórico de Canudos
"Uma viagem ao sertão de Antônio Conselheiro através das várias atividades culturais com os camponeses, incluindo cantorias, poesias, celebrações populares a beira do açude do Cocorobó, e muito mais..."
URL: www.infonet.com.br/canudos
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Centro de Estudos Culturais Euclides da Cunha
"Euclides da Cunha, Os Serrotes, Canudos e a Semana Euclidiana de São José do Rio Pardo"
URL: www.geocities.com/Athens/7269
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Canudos 100 Anos
"Site totalmente dedicado ao episódio da Guerra de Canudos. (...) Fotos, bibliografia, história e Fórum de Discussão".
URL: www.ax.apc.org/~eraldojunior/hp13.htm
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Acervo da Historia do Brasil
"Coletânea de fatos históricos importantes ocorridos no Brasil. Os 100 anos de Canudos".
URL: www.e-net.com.br/historia
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O Olho da História
O Olho da História: Revista de História Contemporânea é um periódico semestral, editado pela Oficina Cinema-História, que tem o objetivo de promover discussões sobre a História, as humanidades e as artes na contemporaneidade. O número 3 da revista aborda o tema Canudos.
URL: www.ufba.br/~revistao/sumario3.html
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Canudos - A Guerra sem fim
CANUDOS - 100 ANOS. A Guerra Sem Fim. Antônio Edson.
URL: www.cidadanet.org.br/artigos/canudos.htm
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Canudos
"Página com várias curiosidades sobre Canudos, feita por alunos do 2° ano colegial."
URL: www.geocities.com/CollegePark/Lab/6434/canudos.html
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Fotos sobre Canudos
URL:www.fundaj.gov.br/docs/canud/fotos.htm
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Os Sertões Illustrated
Página do pesquisador norte americano Thomas O. Beebee
URL:www2c.meshnet.or.jp/~taxi/07-97/sertao/sertoes1.html
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Site da Casa de Cultura Euclides da Cunha, com vasto material sobre Euclides e Os Sertões
URL: http://http://www2.rantac.com.br/casaeuclidiana/
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O Berrante Online é um site sobre temas ligados a Euclides da Cunha e a realidade da cultura brasileira em geral
http://www.berrante.com.tj/
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Coletivo Euclidiano
http://pagina.de/euclides
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Página organizada pela família de Euclides da Cunha
http://www.klepsidra.net/klepsidra3/www.euclidesdacunha.com.br
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Textos e ficha técnica do documentário Os Sertões produzido pela TV Cultura - SP
http://www.tvcultura.com.br/resguia/outros/estbra/sertoes/canud.htm
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Estudos realizados  sobre o livro “Os Sertões” de Euclides da Cunha
1. Título: Os Sertões - Campanha de Canudos
Autor: Euclides da Cunha
Imprenta: 1ª edição: Rio de Janeiro, Laemmert, 1902.
Assunto: História, Sertão, Guerra de Canudos
Resumo: Um clássico seminal da literatura canudense, que influenciou várias gerações de estudiosos, denominado pelo próprio autor de "livro vingador". Durante mais de 50 anos foi texto hegemônico do tema Canudos, e atualmente está traduzido para mais de 10 idiomas e com número superior a 40 edições brasileiras.
2. Título: Os Sertões de Euclides da Cunha
Autor: Pedro A. Pinto
Imprenta: 1ª edição: Livraria Francisco Alves, 1930.
Assunto: Os Sertões, Canudos.
Resumo: "É uma espécie de dicionário sobre o vocabulário usado por Euclides e explicações sobre termos regionais." Júlio José Chiavenato.
 
3. Título: Canudos - Diário de uma Expedição
Autor: Euclides da Cunha
Imprenta:1ª edição: Rio de Janeiro, Liv. José Olympio Editora, 1939, 186 p.
Assunto: Canudos
Resumo: Escritos de Euclides da Cunha, em publicação póstuma com introdução de Gilberto Freyre, que descreve de forma minuciosa a viagem por Salvador e Canudos, através de crônicas, apontamentos e cartas, além dos artigos escritos em jornais.
4. Título: As Colectividades Anormais
Autor: Nina Rodrigues
Imprenta: Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939.
Assunto: Medicina, Antônio Conselheiro
Resumo:
5. Título: Meu Folclore - História da Guerra de Canudos
Autor: J. Sara
Imprenta: 1ª edição: Euclides da Cunha, Museu de Bendegó, 1957.
Assunto: Guerra de Canudos
Resumo:A história de canudos, versejada por José Aras, que adotou o pseudônimo de J. Sara.
6. Título: A Verdade sobre Os Sertões - Análise Reivindicatória da Campanha de Canudos
Autor: Dante de Melo
Imprenta: 1ª edição: Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1958, 257 p.
Assunto: Os Sertões, Canudos
Resumo: Crítica veemente a Euclides da Cunha e Os Sertões, que, segundo o autor, teria uma visão falsa, dos acontecimentos de Canudos.
7. Título: A' Margem D"Os Sertões"
Autor: Luís Viana Filho
Imprenta: 1ª edição: Salvador, Livraria Progresso Editora, 1960, 50 p.
Assunto: Os Sertões, Canudos
Resumo: O autor escreve ativa defesa do seu pai, o conselheiro Luís Viana, governador da Bahia na época da guerra de Canudos, das acusações que lhe foram destinadas por Dante de Melo no livro
"A Verdade sobre Os Sertões"
8. Título: Introdução ao Pensamento de Euclides da Cunha
Autor: Clóvis Moura
Imprenta: 1ª edição: Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1964, 166 p.
Assunto: Euclides da Cunha, Canudos
Resumo: Um importante trabalho de análise sobre Eulcides da Cunha e sua obra.
9. Título: Caderneta de Campo
Autor: Euclides da Cunha
Notas: Introdução, notas e comentários de Olímpio de Souza Andrade
Imprenta: São Paulo, Cultrix / INL, 1975, 198 p.
Assunto: Sertão, Guerra de Canudos
Resumo: Este livro reproduz alguns dos mais importantes momentos dos textos canudenses como benditos, ABCs e falas de prisioneiros.
10. Título: O Episódio de Canudos de Euclides da Cunha
Autor: Grover Chapman.
Imprenta: Rio de Janeiro, Salamandra, 1978, 56 p.
Assunto: Pinturas, Canudos, "Os Sertões"
Resumo: Trechos de "Os Sertões" ilustrados com pinturas de Grover Chapman
11. Título: 80 anos de Os Sertões de Euclides da Cunha (1902-1982)
Coordenação: Célio Pinheiro
Imprenta: São Paulo: Arquivo do Estado, 1982.
Assunto: Edição comemorativa.
Resumo:
12. Título: Toponímia Indigenista em Os Sertões de Euclides da Cunha.
Autor: Daury da Silveira Santos
Imprenta: Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1983.
Assunto: Euclides da Cunha
 
13. Título: Euclides, A Espada e a Letra - Florianistas e Castilhistas no Massacre de Canudos, Comte e outras influências reacionárias, as antecipações do autor de Os Sertões
Autor: Franklin de Oliveira.
Imprenta: 1ª edição: Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, 144 p.
Assunto: Biografia, Euclides da Cunha
Resumo:
14. Título: Os Médicos Baianos e "Canudos"
Autor: Alberto Martins da Silva.
Imprenta: 1ª edição: Salvdor, IHGB, s.d., 17 p.
Assunto: Biografia, Euclides da Cunha
Resumo: Opúsculo onde o autor apresenta dados biograficos dos médicos que participaram da Guerra de Canudos
 
15. Título: Edição Crítica de "Os Sertões"
Autora: Walnice Nogueira Galvão
Imprenta: 1ª edição: São Paulo, Brasiliense, 1985, 728 p.
Assunto: Euclides da Cunha, Canudos
Resumo: O livro Os Sertões numa publicação explicativa e crítica.
16. Título: Sertão de Euclides da Cunha - Família e Poder: uma Leitura
Autora: Eugênia Menezes Vernaide Wanderley
Imprenta: Recife: Cadernos de Estudos Sociais, v.7, n.2, p. 277-304, jul./dez. 1991.
Assunto: Canudos, Euclides da Cunha (1866-1909)
Resumo:
17. Título: Canudos e Outros Temas
Autor: Euclides da Cunha
Imprenta: 1ª edição: 1992.
3ª edição Revista e Ampliada: Gráfica do Senado Federal, 1994.
Assunto: Canudos, Reportagens
Resumo: Contém as reportagens intituladas "Canudos - Diário de uma Expedição", que deram origem a Os Sertões, quinze trabalhos e duas cartas.
 
18. Título: As Meninas de Belo Monte
Autor: Júlio José Chiavenato
Imprenta: 1ª edição: São Paulo, Pagina Aberta, 1993.
Assunto: Romance, Canudos
Resumo: Ficção sobre a trajetória de crianças sobreviventes de Canudos.
19. Título: A Sociologia dos Sertões
Autor: Adelino Brandão
Imprenta: Artium Editora, 1994, 194 p.
Assunto: Euclides da Cunha, Canudos
Resumo: Análise de Os Sertões, escrito por um estudioso da vida e da obra de Euclides da Cunha.
20. Título: Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, Através dos Sertões - Os Livros, os Autores
Autor: Paulo Dantas Neto
Imprenta: São Paulo: Massao Ohno, 1996, 112 p.
Assunto: Biografias de Literatos, Literatura Brasileira
Resumo:
21. Título: O Olho da História - Revista de História Contemporânea, v.2, n.3
Autoria: Vários
Imprenta: Salvador, Oficina Cinema-História, Departamento e Mestrado em História - UFBA, 1996
Assunto: Cinema, Canudos, Antônio Conselheiro
Resumo: Revista que contém um Dossiê Canudos com importantes artigos e entrevistas sobre o temas.
22. Título: Índice Remissivo: Documentação Histórica sobre Canudos.
Autoria: CEEC - UNEB
Imprenta: 1ª edição: Salvador, Universidade do Estado da Bahia, Centro de Estudos Euclides da Cunha, 1996, 64 p.
Assunto: Documentos Históricos, Canudos
Resumo:
23. Título: Guia do Acervo do CEEC
Imprenta: 1ª edição: Salvador, CEEC-UNEB, 1997, 60 p.
Assunto: Documentos Históricos, Canudos
Resumo: Valioso instrumento de consulta sobre o acervo do Centro de Estudos Euclides da Cunha, que compreende documentação escrita e oral, além de vasta biblioteca.
 
24. Título: Roteiro de Leitura: Os Sertões de Euclides da Cunha
Autor: Adilson Citelli
Imprenta: Editora Ática, 1998, 160 p.
Assunto: Euclides da Cunha, Canudos
Resumo: "Roteiro de leitura é uma coleção didática que tem por objetivo enriquecer a leitura de obras significativas da literatura brasileira e da literatura portuguesa, abrangendo diversos períodos e gêneros literários. Escrita com clareza e objetividade, é dirigida a estudantes de segundo grau, pré vestibulandos, alunos de letras, jornalismo, comunicação e a todos que se interessam por literatura."
Os Editores.
 
25. Título: Poemas do Grande Sertão
Autor: Renato Castello Branco
Imprenta: T. A. Queiroz Editor
Resumo: Livro de poesias baseado na obra de Euclides da Cunha.
26. Título: Terra Ignota - A Construção de "Os Sertões"
Autor: Luiz Costa Lima
Imprenta: Civilização Brasileira
Assunto: Os Sertões, Canudo
27. Título: Canudos - Fato e Fabula: Uma Leitura d'Os Sertões, de Euclides da Cunha.
Autor: Lourival Holanda Barros
Orientador: Philippe Willemart
Instituição: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH/USP.
Tipo de Trabalho: Tese (Doutorado), 129 p.
Ano: 1992
Assunto: Crítica Literária, Literatura Brasileira.
Localização: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH/USP
Resumo:
28. Título: A Contribuição das Ciências Naturais para o Consórcio da Ciência e da Arte em Euclides da Cunha
Autor: José Carlos Barreto de Santana
Orientadora: Maria Amélia Mascarenhas Dantes
Instituição: Universidade de São Paulo / USP - SP
Tipo de Trabalho: Dissertação (Mestrado)
Ano: 1998
Assunto:
Localização: Biblioteca da USP - SP
Resumo: Este trabalho tem, como ponto de partida, o estudo das relações existentes entre um dos discursos científicos euclidianos, o das Ciências Naturais, e as atividades e teorias nesse campo do conhecimento. Entendo que a formação e atuação como engenheiro, e as relações de Euclides da Cunha com a comunidade cientifica, bem como a existência, na sua obra, de um conteúdo relacionado às Ciências Naturais e a inclusão, no próprio texto, de referências explícitas a viajantes naturalistas, geólogos e botânicos, devem refletir o momento histórico pelo qual passava o conhecimento científico no Brasil, entre o final do século XIX e o limiar do século XX. Assim, a formação, as relações, a presença de tal conteúdo e tais referências, indicam a possibilidade de o autor e da obra servirem como elementos para uma reflexão sobre a prática científica no país, no período indicado.
Buscar-se-á, assim, contribuir para o entendimento de questões relacionadas com o conceito e valorização das ciências e também para a análise de aspectos da profissionalização e relação entre os cientistas no Brasil do final do século XIX e início do século XX.
Euclides da Cunha e sua obra são escolhidos, então, como objeto privilegiado de uma pesquisa que pretende situá-los no contexto cultural de seu tempo e espaço, ao mesmo tempo em que busca as marcas da atividade científica, procurando desvendar, através da sua estrutura, interligação e desdobramentos, as suas relações com outras áreas culturais.
 
BIBLIOGRAFIA
SCHWARCZ, Lilia Mortiz, O Espetáculo das Raças - Cientistas, Instituições e questão racial no Brasil 1870 - 1930 São Paulo, Cia das Letras, 1993.
SKIDEMORE, Thomas E., O Brasil Visto de Fora, Rio de Janeiro Paz na Terra, 1994.
VENTURA Roberto. CANUDOS COMO CIDADE ILETRADA: EUCLIDES DA CUNHA NA URBS MONSTRUOSA, Extraído de: Abdala Jr, Benjamin & Alexandre, Isabel, orgs. Canudos Palavra de Deus Povo da Terra. São Paulo, Editora Senac São Paulo, Boitempo Editorial, 1997. p. 89-99.
SEVCENKO, Nicolau; Euclides da Cunha e Lima Barreto: A Literatura como missão, 1900-1920.Tese de doutoramento, departamento de História FFLCH – USP, São Paulo 1981.
GALVÃO, Walnice Nogueira. “Os Sertões – Campanha de Canudos : Edição Crítica de”. Ática, 1998, p.14
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1983, 4a edição
BOSI, Alfredo : “A releitura de ‘Os sertões’ hoje”. Arquivo retirado da Internet
A TERRA (58 páginas)

O autor começa descrevendo, geograficamente, o grande maciço central brasileiro para chegar à região do Vaza-Barris, ao norte da Bahia, onde se passou a Campanha de Canudos. Demarca-a, e descreve sua flora, sua formação geológica e a influência do clima. Procura interpretar sua evolução geológica. Estuda-lhe a hidrografia e a conformação orográfica.
Volta a considerar o clima da região expondo uma teoria sobre as secas. Descreve geograficamente as caatingas com toda sua flora específica e a influência que elas sofrem dos climas. Então chega ao “agente geológico notável – o homem que, reagindo brutalmente contra a terra madrasta, vem, historicamente desnudando-o, fazendo desertos.
Considera as maneiras de combater os desertos com açudes, etc. Só assim combateria o martírio que ali sofre o homem e que é conseqüência do “martírio secular da Terra”.
Com a descrição do sertão de Canudos sumaria toda a fisiografia do Nordeste.


O HOMEM (149 páginas)

Inicia, expondo o autoctonismo do “homo americanus”. Depois considera a influência da variabilidade mesológica nos três elementos essenciais de nossa formação étnica, dando a gênesis das sub-raças, mestiças, do Brasil. Daí a heterogeneidade racial brasileira e a impossibilidade de futura unidade de raça entre nós, devido a particularidades específicas de cada elemento formador, tão díspar. Para confirmar sua teoria cita exemplos em nossa História.   
Mostra o jagunço em sua gênesis, esparramando-se do Maranhão a Bahia, passando pela gênesis do mulato. Expõe a função histórica do Rio São Francisco na dinâmica social dos jagunços, descendentes de paulistas, e no aparecimento dos vaqueiros que se insularam nas regiões do interior. Nesse ponto surge Canudos, aglomerado de alimentos de uma subcategoria étnica já constituída: o sertanejo do norte. Mas a mistura de várias raças dá o tipo desequilibrado, possuidor da moralidade rudimentar das raças inferiores. Insulados, ficaram porém livres de uma adaptação, penosíssima, a um estágio social superior. Faz análises desses nossos patrocínios: o sertanejo, o gaúcho, estabelecendo comparações entre eles. Fala sobre o jagunço, as vaquejadas, a arribada.
Descreve as tradições dos vaqueiros, o estouro da boiada, o folclore, a influência das secas, a religiosidade mestiça. Conclui que as agitações sertanejas são baseadas no fanatismo. Canudos, por exemplo, é uma agitação nordestina, baseada no fanatismo. Monte Santo já era um lugar lendário. Daquela complexidade étnica e sob aquelas influências ecológicas e sociológicas era inevitável o aparecimento de um Antônio Conselheiro. Fizeram-no santo devido ao seu misticismo estranho, quase um feiticeiro. Ele não deslizou para a loucura, porque o ambiente o amparou, respeitando-o. Antônio Conselheiro descendia de cearenses do norte, de gente arrelienta que há 50 anos sustentava uma rixa de família. Infeliz no casamento-abandonado pela esposa raptada por um policial, e por isso fulminado de vergonha - embrenha-se nos recessos dos sertões, surgindo incógnito, missionário sombrio, no nordeste baiano. Era produto condensado do obscurantismo de três raças, criando em torno de si lendas que se espalhavam por toda aquela imensa região. A Igreja tentou intervir, inutilmente. Canudos, que era um lugarejo obscuro antes da vinda do Conselheiro, revivesse com sua chegada, em 1893, crescendo rapidamente, a pau a pique, chegando a possuir 5000 casas, com 15000 a 20000 habitantes.
Todo sertanejo que ali chegasse tornava-se logo um fanático. E, como muitos deles eram bandidos, saqueavam lugarejos, conquistavam cidades vizinhas, depredando-as. Eram subchefes do Conselheiro; José Venâncio, com 18 mortes; Pajeú e seu ajudante – de – ordens Lalau; Chiquinho e João da Mota, Pedrão, cafuz brutal; Estevão, disforme, tatuado à faca e à bala; Joaquim Tranca-pés; “Major”Sariema; o tragi-cômico Raimundo Boca-Torta, do Itapicuru; o ágil Chico Ema; Norberto; o velho Macambira e seu filho Joaquim; Villa-Nova; a figura ridícula, de mulato espigado, de Antônio Beato, meio sacristão e meio soldado; e o chefe de todos João Abbade. Pregavam contra a República, sem convicção, mais “como variante forçada ao delírio religioso”. Um capuchinho lá estivera para converte-los todos. Nada conseguira. Voltando, amaldiçoa a vida.















































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