- Uma aula é como comida.
- O professor é o cozinheiro.
- O aluno é quem vai comer.
- Se a criança se recusa a comer, pode haver duas explicações.
- Primeira: a criança está doente.
- A doença lhe tira a fome.
- Quando se obriga a criança a comer quando ela está sem fome, há sempre o perigo de que ela vomite o que comeu e acabe por odiar o ato de comer.
- É assim que muitas crianças acabam por odiar as escolas.
- O vômito está para o ato de comer como o esquecimento está para o ato de aprender.
- Esquecimento é uma recusa inteligente da inteligência.
- Segunda: a comida não é a comida que a criança deseja comer: nabo ralado, jiló cozido, salada de espinafre...
- O corpo é um sábio: não come tudo o que jogam para ele, mas opera com um delicado senso de discriminação.
- Algumas coisas ele deseja.
- Prova.
- Se são gostosas, ele come com prazer e quer repetir.
- Outras não lhe agradam, e ele recusa.
- Aí eu pergunto: “O que se deve fazer para que as crianças tenham vontade de tomar sorvete?”.
- Pergunta boba.
- Nunca vi criança que não estivesse com vontade de tomar sorvete.
- Mas eu não conheço nenhuma mágica que seja capaz de fazer que uma criança seja motivada a comer salada de jiló com nabo.
- Nabo e jiló não provocam sua fome.
- (...)
- As crianças têm, naturalmente, um interesse enorme pelo mundo.
- Os olhinhos delas ficam deslumbrados com tudo o que veem.
- Devoram tudo.
- Lembro-me da minha neta de um ano, agachada no gramado encharcado, encantada com uma minhoca que se mexia.
- Que coisa fascinante é uma minhoca aos olhos de uma criança que a vê pela primeira vez!
- Tudo é motivo de espanto.
- Nunca esteve no mundo.
- Tudo é novidade, surpresa, provocação à curiosidade.
- Quando visitei uma reserva florestal no Espírito Santo, a bióloga encarregada de educação ambiental me contou que era um prazer trabalhar com as crianças.
- Não era necessário nenhum artifício de motivação.
- As crianças queriam comer tudo o que viam.
- Tudo provocava a fome dos seus olhos: insetos, pássaros, ninhos, cogumelos, cascas de árvores, folhas, bichos, pedras.
- (...) Os olhos das crianças têm fome de coisas que estão perto.
- (...) São brinquedos para elas.
- Estão naturalmente motivadas por eles.
- Querem comê-los.
- Querem conhecê-los.
- Rubem Alves
ENEM & CIA: DIÁRIO DE REPERTÓRIOS, PESQUISAS E PRÁTICAS EM PERMANENTE ATUALIZAÇÃO
Total de visualizações de página
sexta-feira, 10 de maio de 2019
Rubem Alves. Por uma educação romântica. Campinas: Papirus, 2002, p. 82-4 (com adaptações).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.