...Não há dúvida de que a internet está transformando o mundo, de que
vivemos em meio a uma revolução. A questão, ou uma delas, é que tipo de
revolução é essa: será que a internet pode ser comparada, por exemplo,
ao telefone ou ao carro, ou mesmo à imprensa de tipo móvel, que
revolucionou o livro? Ou será que ela pertence a outra classe de
tecnologia, que não só transforma a sociedade mas que vai além,
redefinindo quem somos?
A questão é complicada, difícil até de ser formulada. O telefone e o
carro transformaram o modo como as pessoas se comunicavam, iam ao
trabalho, viajavam, viam o mundo. Como toda tecnologia que se torna de
uso público, primeiro começaram pequenos, com alcance limitado: eram
poucas as linhas telefônicas e as estradas.
Aos poucos, as coisas foram crescendo e, em meados do século 20,
telefones e estradas estavam pelo mundo todo. Uma diferença bem
importante é que a internet, por ser acessível por computadores, é bem
mais aberta aos jovens. Telefones celulares também; os jovens têm a sua
privacidade, o seu espaço virtual separado do dos pais e irmãos. A
comunicação é tão fácil e rápida que chega a tornar o contato direto, em
carne e osso, desnecessário.
Talvez seja uma preocupação dos meus leitores mais velhos, que, como
eu, nutriam as amizades no campo real e não por meio de sites como
Facebook e Twitter, mas será que a internet nos fará desaprender como
nos relacionar diretamente com outros seres humanos?
Deixando esse tipo de preocupação de lado, se olharmos para a
história da civilização, veremos que podemos contá-la como uma história
da tecnologia. À medida que novas tecnologias foram sendo desenvolvidas,
do controle do fogo e da rotação de terra na agricultura até a roda, o
arado e os transistores e semicondutores usados em aparelhos
eletrônicos, nossa história foi, em grande parte, determinada pelas
nossas máquinas. Valores e interesses mudam, e visões de mundo se
transformam de acordo com nossos instrumentos.
O Homo habilis, nosso ancestral que usou ferramentas pela primeira
vez, evoluiu rumo ao Homo sapiens e, agora, este se transforma no Homo
conectus. Será que nossos avanços tecnológicos são, hoje, a principal
mola da nossa evolução como espécie? Nesse caso, será que a tecnologia
está redefinindo o que significa ser humano?
Descontando uma grande devastação biológica, como uma epidemia de
proporções globais ou um cataclismo climático ou ecológico, somos donos
da nossa evolução: nossa transformação como espécie ocorre muito menos
devido a mutações aleatórias e ao processo de seleção natural do que,
por exemplo, devido a um maior intercâmbio racial, à melhor alimentação e
aos avanços da medicina, à integração de tecnologias diversas com o
corpo (marca-passos, órgãos e membros artificiais) e com a mente (drogas
que mudam nossas emoções, implantes nos olhos e ouvidos, chips no
cérebro).
A internet talvez represente uma nova fronteira, a da integração
coletiva da humanidade a um nível sem precedentes. Se não no mundo real,
ao menos no virtual.
(Folha de SP, 8/11)
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